sábado, 10 de dezembro de 2016

Época: “O Maracanã é viável sem o Flamengo e muito mais viável com o Flamengo”



A Odebrecht não quer mais o Maracanã. A empreiteira perdeu dinheiro com o estádio desde o início da concessão, em 2013, e hoje quer vendê-la para outra empresa ou outro consórcio para tirar o time de campo. Dois grupos apareceram como favoritos. De um lado, está a francesa Lagardére e a brasileira BWA – ambas formam a Luarenas e administram o Castelão, em Fortaleza, e o Independência, em Belo Horizonte. Do outro, está a CSM, amparada por uma aliança com o Flamengo e acordos para formar um grupo com a holandesa Amsterdam Arenas e a francesa GL Events. No intuito de entender qual será o futuro do estádio que sediou a final da Copa do Mundo de 2014 e custou mais de R$ 1,2 bilhão, dinheiro público, para ser reformado, ÉPOCA entrevistou executivos de ambos os lados. O que eles propõem para o Maraca?


A Lagardére é representada por Flávio Portella, brasileiro que ocupa o cargo de diretor de arenas para o Brasil e a América Latina. A companhia francesa preza pelo modelo que formulou para as outras 50 arenas esportivas que administra no resto do mundo: ela se ocupa da administração do estádio, mas fica por trás das cortinas, enquanto os clubes participam do resultado financeiro e atuam como protagonistas. Vai ser difícil botar a fórmula em prática no Maracanã. O Flamengo bate o pé há meses para participar efetivamente da gestão do estádio. Portella afirma, na entrevista a ÉPOCA, ter convicção de que a Lagardére convencerá o clube de maior torcida do país a mudar de ideia. “Sempre existe um preconceito, porque o mercado de arenas é novo e tem apenas dois anos, então alguns clubes têm medo, mas no curto prazo isso é vencido e a parceria funciona”, afirma o diretor da Lagardére.

ÉPOCA: A Lagardére negocia com a Odebrecht para assumir o Maracanã. Qual o plano?
Flávio Portella: A gente tem o interesse. A gente está no processo desde 2013. Participamos da licitação inicial, ficamos em segundo lugar e, desde lá, o Maracanã sempre esteve no nosso radar. Nosso core business é gestão de arenas. Com essa posição da Odebrecht de sair do negócio, logicamente voltamos a ter interesse. A ideia é assumir a concessão conforme as regras do contrato, tudo o que envolve uma concessão.

ÉPOCA: Digamos que fechem. A transferência da concessão envolve valores?
Flávio Portella: Não posso falar de detalhes, porque envolve confidencialidade, mas vou dar um resumo. É uma operação privada a princípio, porque a concessão é de uma empresa privada, então os dois privados definem um valor que pode ser zero ou um, e o governo, como verdadeiro dono do equipamento, dá anuência conforme as regras do edital. E aí passa por todo o processo do edital, que prevê qualificações técnicas e financeiras, como se fosse uma licitação nova. E aí com a anuência do governo você pode fechar e transferir.

ÉPOCA: As regras da licitação permanecem iguais?
Flávio Portella: As regras são as mesmas. Têm de atender às qualificações técnicas e financeiras exigidas em 2013, e o contrato de concessão permanece o mesmo conforme os aditivos que foram feitos no período, mas é o mesmo objeto.

ÉPOCA: A Odebrecht teve problemas porque a concessão previa estacionamento, shopping, mas o governo voltou atrás. O que sua empresa fará em relação a isso?
Flávio Portella: A gente vai atender às demandas do governo conforme o contrato exige. Não posso dar detalhes do plano de negócios, porque é muito longo, mas ele envolve as regras do contrato de concessão, os investimentos previstos, o retorno que o governo recebe por ter investido no equipamento.

ÉPOCA: Mas o estacionamento, o shopping…
Flávio Portella: Isso já saiu, não é? Tanto o parque aquático [Júlio Delamare] quanto o estádio de atletismo [Célio de Barros] continuam. Hoje já tem outro escopo. Vamos fazer novos investimentos, direcionados para outros fins, conforme o contrato de concessão.

ÉPOCA: Pergunto porque era uma parte importante do negócio da Odebrecht. Ela diz que não é capaz de fazer dinheiro sem isso. Como deixar o negócio em pé?
Flávio Portella: Nosso plano de negócio é muito amplo. Esse é nosso diferencial. Experiência de 20 anos de mercado, 50 arenas. Posso adiantar que vai ser um plano 360 graus que envolve, lógico, futebol como um dos principais ativos da arena, mas há grandes shows, eventos, feiras, a vida 24 por sete, museu, e assim vai. Vamos posicionar a arena na escala Brasil e na escala mundo. Colocá-la no mapa nacional e internacional.

ÉPOCA: A concessão prevê acordos com dois clubes. O acordo que o Fluminense tem com a Odebrecht foi herdado do jeito que é?
Flávio Portella: Ele é um contrato que está ativo. Podemos manter ou podemos melhorar. Depende das partes.

ÉPOCA: Os senhores já conversaram com o Fluminense?
Flávio Portella: Existem cláusulas de confidencialidade, então eu não posso entrar em detalhes, mas existe uma conversa em geral com os clubes.

ÉPOCA: Como os senhores preveem o relacionamento com os clubes? Vai ser no molde de hoje: dividir receitas e despesas, direitos e obrigações?
Flávio Portella: O que posso adiantar é que nossa experiência tanto com Brasil como fora é voltada em prol do clube. Nossas 50 arenas, todas têm um clube parceiro. Nossa filosofia é o clube focar no core business dele, o futebol, os jogadores, a estrutura, a base e não se preocupar com a gestão da arena em si. Não se preocupar com o ônus da arena, o custo da operação, mas participar do resultado. Só te falo que com certeza, isso passamos em todas as operações, sempre existe um preconceito inicial, porque o mercado de arenas é novo e tem apenas dois anos, então alguns clubes têm medo, mas no curto prazo isso é vencido e a parceria funciona. Todo mundo sai ganhando. O clube é protagonista dentro do palco.

ÉPOCA: Isso funciona  no resto do mundo?
Flávio Portella: Com o Borussia [Dortmund, da Alemanha], por exemplo, você não sabe quem é o operador da arena porque quem aparece na frente é o Borussia, mas a operação é nossa. A gente não é uma empresa que tem de estar na frente, mas atrás, dando suporte onde o clube não teria nem capacidade nem tempo de atuar.

ÉPOCA: Com o Flamengo a situação é mais complicada. O Flamengo gostaria de participar da administração e tem se posicionado publicamente contra a transferência da concessão. Os senhores conversaram com o Flamengo alguma vez?
Flávio Portella: Já tivemos conversas preliminares com eles lá atrás. O que a gente enxerga é um pouco de preconceito inicial, mas tenho certeza, e o pessoal que administra o Flamengo tem muita visão, capacidade técnica, de gestão mesmo, além do futebol em si, de que vamos achar um modelo ótimo para o clube. Que a conta feche, que vai melhorar. É uma questão de tempo. Tudo pode mudar. Não existe regra definitiva que não tem outro lado. Já enfrentamos em outros lugares e estamos acostumados com isso. No Brasil é muito novo, e tudo o que é muito novo fica mais complicado.

ÉPOCA: Se o Flamengo cumprir o que diz e não jogar no Maracanã , o negócio fica de pé?
Flávio Portella: O Maracanã é viável sem o Flamengo e é muito mais viável com o Flamengo. Sem dúvida. Não vou distorcer as coisas. Vamos ser transparentes.

ÉPOCA: A viabilidade do Maracanã é questionável. Ele é o estádio com as maiores receitas do país nos últimos anos, mas há prejuízos enormes. Os senhores conversaram com a Odebrecht?
Flávio Portella: Não vou entrar no mérito de como foi feita a gestão no passado. Eu sei que a gente tem o nosso modelo, estamos de olho no futuro, a conta fecha, e estamos usando uma planilha de células com toda a experiência desse grupo que está no mercado há décadas.

ÉPOCA: O senhor pode adiantar algo sobre o plano de negócios? Como farão dinheiro?
Flávio Portella: Não é o naming right, o estacionamento… É uma somatória de coisas e uma gestão de custo eficiente. Não dá para falar tudo em alguns minutos. A ideia é fazer uma gestão responsável. Temos uma empresa com experiência e força financeira para suportar tudo isso.

ÉPOCA: A Lagardére está pronta para alguns anos de prejuízo no início?
Flávio Portella: Aí falo como brasileiro. O brasileiro tem visão de curto prazo, eu sempre tive, e dentro desta multinacional aprendi a entender que a visão é de longo prazo. São 32 anos de concessão. Existe uma equação de investimentos, e isso faz parte. Se houver um tempo de prejuízo para criar o ativo, desenvolver… Existe uma curva. Não chamamos de prejuízo. Chamamos de investimento. Depois vamos entrar num cruzeiro mais estável. Temos de olhar para os 32 anos.

ÉPOCA: Em 32 anos Flamengo e Fluminense podem cumprir seus projetos particulares de construir estádios próprios. Os senhores consideram essa hipótese?
Flávio Portella: A gente considera, mas isso de construir estádio próprio virou moda. Se a parceria for sólida, se os clubes tiverem retorno, nem faz sentido o clube investir em estádio. Existem diversos modelos em que o clube participa da operação, contamina, e isso está atrapalhando o futebol. A gente considera, mas a gente acredita mais na parceria. O Maracanã do jeito que é, inserido na metrópole do Rio de Janeiro, não faz sentido sair construindo um monte de estádios. Tem de otimizar um onde vários clubes podem usar. Isso acontece muito na Europa e nos Estados Unidos e funciona muito bem. Você nem sabe que o clube não é operador do estádio porque ele participa do resultado, mas não tem de colocar dinheiro, ficar indo atrás de investidor, tirar dinheiro do jogador para pagar o estádio.

ÉPOCA: A Luarenas é uma união da Lagardére com a BWA. Como os senhores dividem as tarefas?
Flávio Portella: A Lagardére veio para o Brasil em 2014, adquiriu os ativos que a BWA tinha participação, absorveu o know-how, mas toda a filosofia, a estrutura, as práticas anticorrupção hoje são da Lagardére. Toda a prática da operação foi trazida de fora. A gestão tem a cara da Lagardére 100%. Não existe divisão de tarefas, mas uma regra única.

Rodrigo Capelo

Fonte: Época

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