Em conversa com O GLOBO, o técnico do Flamengo, Zé Ricardo, destaca que o estilo do time deve respeitar a tradição rubro-negra. Ele contesta críticas de que a equipe ficou previsível no fim de 2016, revela influências e diz que treinadores devem defender a beleza do jogo.
No ano passado, o Flamengo tinha elaboração, posse de bola. Aos poucos, pareceu voltar a depender de velocidade e contragolpes. Por que?
Temos atletas de boa qualidade técnica e inteligência. E propusemos este tipo de jogo, não queria fugir da qualidade e tradição do Flamengo de times técnicos, que joguem. Quem tem a bola tem o jogo, tem mais chance de vencer. Essa era a premissa. Na virada do turno, atingimos ótimo nível. E criamos uma expectativa elevada, de título, pelo nosso desempenho. Por diversos motivos, não conseguimos dar passo à frente. Os adversários olham mais os times que estão em crescimento. O desgaste foi exacerbado pelas viagens. Para 2017, o objetivo é consolidar a ideia e achar alternativas contra times que nos marquem mais atrás. Contra estes, não fomos tão eficientes. O objetivo é diversificar mais.
O time parecia dependente de cruzamentos para a área na reta final...
A gente tinha duas formas treinadas de jogar: pelo centro ou pelo lado. Não vejo problema de ir à linha de fundo, desde que esteja posicionado dentro da área e com proteção defensiva para o rebote. Em dado momento, achei injustas estas críticas porque era uma determinação nossa quando éramos marcados pelo meio. As soluções hoje dependem do adversário. São estratégias de jogo. É tão difícil fazer um time jogar bem, o jogador entender a ideia. De repente conseguimos, e veio a avaliação de que ficamos previsíveis. Não ficou. Tivemos dificuldades impostas pelo adversário, pelo desgaste. Tínhamos bons momentos nos jogos, mas não sustentávamos. A estatística mostrava que o Flamengo era, dos quatro primeiros, o que fazia gols de forma mais diversificada. Por muito tempo tivemos a melhor defesa, fomos equilibrados com uma zaga que chegou com o torneio andando.
Você foi criticado pela escalação contra o Corinthians, na volta ao Maracanã. Como lidou?
Muitas vezes, lá fora, um treinador faz uma opção diferente e vai insistindo até funcionar. Aqui, somos cobrados como quem inventa a pólvora. A gente treinou e deu certo. A ideia era ter dois atacantes, com Emerson e Guerrero. E o Mancuello jogar pelo lado sem a bola, vindo pelo centro com a bola, junto ao Diego, para sobrecarregar o volante do 4-1-4-1 do Corinthians. No treino deu certo. No jogo, com a pressão da volta ao Maracanã e o ótimo jogo do Corinthians, não funcionou.
O DNA do clube pesa ao definir o estilo do time?
Não se pode fugir da tradição do clube. Eventualmente, você pode ter uma estratégia diferente em um jogo. É difícil dissociar o Flamengo de um time que queira a bola, agrida o adversário e tente ser protagonista do jogo. Cada clube tem algo que o marque e no Flamengo é isso: jogadores técnicos, habilidosos, mas com alma.
Que Flamengo quer ver em 2017?
Temos que fortalecer uma forma de jogar que deu certo, com a bola, elaboração. Adoro o 4-1-4-1 como estrutura, mas seria tolo não olhar a característica do elenco. Com a chegada do Diego, trouxemos o Arão um pouco mais atrás, mais próximos do 4-2-3-1. Com Diego e Conca, temos que encontrar espaço para eles, porque o Flamengo ganharia muito em qualidade técnica. Deve partir daí (do 4-2-3-1). A questão é o tempo.
Acha que Arão perdeu poder de se infiltrar na área rival?
Não. Antes, jogando mais à frente, no 4-1-4-1, ele talvez tenha ficado até mais previsível. Deixava de ser o homem surpresa. Passamos a ter o Pará mais à frente e pedimos que o Arão infiltrasse quando o Diego estivesse pela esquerda, perto do Éverton. Trouxemos o Arão um pouco mais atrás para tirar um pouco das funções defensivas do Diego. E para ter o Diego próximo da área. E tínhamos um dos extremos, Gabriel ou Éverton, como um segundo meia.
Para um time de posse de bola, ter Márcio Araújo não é uma contradição na questão do passe?
Uso números. Até o jogo com o Palmeiras, quando foi expulso, ele tinha 1,3 passe errado e uma falta por jogo.
‘Meu sonho é ver o jogo fluir mais. Pode parecer utópico, mas gostaria, quando eu tiver mais moral, falar em entrevistas o quanto me incomodo com cera, jogo picotado, pouco tempo de bola em jogo’
Mas são passes verticais?
Entendo que a saída de bola de trás é com os zagueiros também. Rever e Vaz têm bom passe e agressividade, o Rever um pouco mais. O trabalho do Márcio era dividido com os zagueiros. E para fazer a saída de bola com três jogadores, por vezes a gente usou o Arão junto aos zagueiros. O Márcio compensa esse passe que não é tão profundo, vertiginoso, com roubadas de bola, ocupação de espaço e inteligência de jogo.
Os zagueiros do Flamengo têm este passe para iniciar jogadas?
É uma premissa do jogo atual. Falta espaço em campo. Se você trás seus meias aqui atrás para criar, vai ficar em inferioridade na frente. O Rever faz essa saída de forma mais equilibrada. O Vaz é um pouco mais audacioso, por vezes alguns passes não saem. Entender o momento, ter equilíbrio, é algo que precisamos buscar.
Pensa em usar o modelo com três defensores, em voga na Europa?
No momento, não penso. Mas gosto, principalmente contra adversários com duas linhas de 4 e dois atacantes. O sistema ficou abominado aqui após a Copa de 90, as críticas eram enormes. No futebol, não há uma forma certa, é convencer os atletas de que a sua maneira de jogar é a melhor. Mas qual o último time do Flamengo que jogou com 3? Tenho a curiosidade de saber como torcedor, dirigentes e imprensa vão reagir a um time grande que comece a fazer isso.
Que tipo de futebol te agrada?
Gosto de time que propõe o jogo, tem a bola, envolve o adversário. Acredito num modelo macro, mas no planejamento jogo a jogo também, e de comprometimento defensivo. Meu sonho é ver o jogo fluir mais. Pode parecer utópico, mas gostaria, quando eu tiver mais moral, falar em entrevistas o quanto me incomodo com cera, jogo picotado, pouco tempo de bola em jogo. Gosto do futebol bem jogado.
Zé Ricardo é um entusiasta do jogo bonito e quer o Flamengo atuando com variação tática - Divulgação
Que treinadores admira?
Não tenho só uma influência. Gosto muito do futebol italiano, com princípios defensivos culturalmente bem definidos. Vejo muito o Ancelotti, gosto da saída com três jogadores que o Massimiliano Allegri (da Juventus) faz, com dois atacantes na frente. Morei na Itália e acompanhei o Roma do Luciano Spaletti. E gosto do futebol espanhol pela maneira leve como joga, muito por influência do Guardiola. Mas o melhor time que vi foi o Barcelona do Guardiola. Foi o ápice. O Bayern da tríplice coroa era um grande time, que ganhou outros movimentos com Guardiola. Aqui você não consegue montar grandes times e manter por longo tempo, como o Palmeiras da Parmalat, o Flamengo de Zico. Hoje os times são para uma ou duas temporadas.
Beleza é fundamental?
Claro. Futebol é espetáculo, entretenimento, existe um público. A gente que vive do futebol deve brigar pela beleza do jogo. Eu trabalho num clube que nos obriga a jogar bem. E levo isso como premissa. Jogar bem para estar próximo de ganhar.
Acha que não teve sorte no grupo da Libertadores?
Não. Já imaginava. Quando fomos para o pote 3, sabia que viriam times fortes. E acho que o Atlético-PR virá para o grupo. Vai ficar ainda mais difícil. Mas temos condições. Vamos brigar para ser campeões. Vamos competir muito. O grupo ficou forte para nós, mas ficou forte para eles também.
Fonte:O Globo
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