Em entrevista exclusiva para o jornal O Globo, Zé Ricardo, fala como é ser técnico do Flamengo. Relata também sobre a pressão que sofreu e ainda sofre bastante da parte dos mais de 40 milhões de torcedores rubro-negros.
A queda na Libertadores, e as atuações abaixo do esperado, colocaram Zé numa situação de extrema cobrança.
Na entrevista, ele inclusive revela que que pensou em pedir demissão. No entanto, agora o comandante vê o time novamente em crescimento, buscando evoluir a parte ofensiva do elenco.
Confira logo abaixo a entrevista completa:
No período de maior pressão, o que mais machucou você?
Ninguém gosta de ser criticado o tempo todo, mas faz parte. Em alguns momentos ultrapassa o limite a ponto de você ter problema na família, quando invadem sua privacidade.
Você se refere ao vazamento do seu número de celular?
Foi uma invasão de privacidade. Começaram a chegar mensagens, algumas até davam força, outras agrediam e entravam até em ameaças à segurança. Tem que administrar e seguir.
Já imaginava que o investimento alto do clube geraria tanta cobrança?
Avaliava que seria ano muito difícil em relação a cobranças. A torcida espera muito de nós. Mas só o nome não vai fazer a gente ganhar títulos. Temos estrutura grande, mas que é tocada por pessoas.
No auge da pressão, você pensou em pedir demissão?
Olha, eu não sei se cheguei ao ponto 100, mas cheguei perto. Porque a gente estava fazendo um esforço grande para sair do momento ruim e, mesmo assim, estava com dificuldade. E comecei a pensar se era culpa minha. Mas o pedido de demissão é uma derrota pessoal muito grande. Eu me coloquei numa situação de meu filho me perguntar por que eu desisti. O que eu iria falar para ele, quando ele crescesse, para explicar? Refleti com minha esposa e não tomei a decisão. Confesso que a pressão foi muito grande, mas entendi que era uma questão de provar a mim mesmo que era capaz de seguir.
Foi após a saída na Libertadores?
Aquele foi um momento agudo, mas até ali eu não pensava em pedir demissão. Mas a derrota para o Sport teve uma repercussão muito ruim, uma insatisfação da torcida. E eu respeito muito a torcida. Talvez a palavra certa nem fosse pedir demissão, seria fazer um acordo com a diretoria para encerrar o trabalho. O clube me deu respaldo, a direção sempre foi honesta. A maior cobrança era minha. Eu estava tentando arrumar forças para continuar.
Você reviu o jogo com o San Lorenzo? Mudaria algo?
Revi algumas vezes, foi uma derrota dolorida. A gente não fez um bom jogo no segundo tempo, aceitou demais o jogo do San Lorenzo, mas até levar o primeiro gol não tínhamos sofrido. Não mudaria as substituições. Eu tinha percebido que Berríio tinha mudado o comportamento. E ele teve uma lesão de grau 2. A entrada do Rômulo era natural. E a entrada do Juan no final do jogo foi para a gente suportar aquela pressão. Não vejo que tivesse outras opções a fazer. Quanto ao Sávio, era ele ou Ederson, que voltava de lesão.
Como foi a noite pós jogo?
Não teve noite, não consegui dormir. Você fica pensando por que foi daquela forma. Foi uma dura lição. Sem dúvida, vai servir para a minha carreira.
Por que o time não evoluiu como imaginado em relação a 2016?
Tivemos jogadores que se lesionaram. A gente precisa reencontrar o bom futebol do ano passado e agora acho que estamos crescendo. Claro que foi difícil substituir o Diego. Além de toda a identificação que criou com o clube, fomos obrigados a suprir sua ausência com jogadores de características diferentes. Agora, está recuperando o ritmo.
Cuéllar tem jogado ao lado de Márcio Araújo. Com Éverton Ribeiro, além de Diego e Guerrero, será preciso ter dois volantes mais posicionados?
Esta é uma avaliação que temos. Para potencializar Éverton e Diego, além de Geuvânio, Guerrero, laterais que gostam de jogar na parte ofensiva, precisamos de equilíbrio. Estamos conseguindo, sofremos dois gols em cinco jogos. Nossa saída de bola ainda precisa melhorar, a segunda fase da construção das jogadas também. Mas estamos voltando a ter um jogo bem construído. O time andava se desfazendo da bola rapidamente, pela ansiedade. E um dos pontos importantes do nosso modelo de jogo era evitar a perda da bola, o contra-ataque, chegar ao ataque preparado para se defender.
Esperava contar mais com Rômulo?
Ele é excelente jogador e ainda vai surpreender muita gente. Estava com problemas para entrar na melhor forma, mas está voltando. Há coisas curiosas. No início do ano, conversei com o Márcio Araújo que queria colocar o Rômulo em condição o quanto antes, em dupla com o Arão, mesmo o Rômulo não estando na melhor forma. Talvez tenha sido um erro meu. Ele vinha bem. Contra a Universidad Catolica, perdemos sincronismo com a saída dele. E,na época, em jogos em que sofremos contra-ataques, como a final da Taça Guanabara, atribuíram à falta do Márcio Araújo. Mas o que havia era a precipitação no ataque. Sempre estive tranquilo quanto aos volantes.
Você concorda com as críticas de que Márcio Araújo prejudica a saída de bola?
Discordo. Ele é importantíssimo para o grupo, um modelo de atleta e tem evoluído. Contra o Santos, foi exemplar ao lado do Cuéllar. Temos cobrado para que não faça só passes curtos. Ele tem uma leitura de jogo após a perda de bola do time que poucos têm. Temos jogadores talentosíssimos como Guerrero e Diego, com certa dificuldade para marcar e o Márcio compensa isso de forma muito eficiente.
Houve trabalho especial com ele?
Primeiro, conversei com ele para ousar, arriscar. Naquela posição é necessário tentar mais. E durante três ou quatro meses ele fez complementos de treinos, com visão mais profunda do jogo, infiltração.
Após usá-lo como titular, você deu um passo atrás com Vinícius Júnior?
São vários fatores. Ele não está morfologicamente pornto. Tem dificuldade no jogo de quarta e domingo. Mas na função dele, tivemos lesões. Quando ele foi titular com o Avaí, tínhamos poucas opções. A gente entende que ele pode ser mais perigoso, agora, pegando o adversário desgastado. No confronto, tem a dificuldade natural do garoto de 16 anos. Minha preocupação é que ele evolua como atleta. Ninguém esperava que ele já fosse começar a decidir partidas para nós.
Pesou a vontade do Real Madrid para colocá-lo nos profissionais?
Eu conheço o plano de carreira do Vinícius desde que eu era dos juniores. Desde o fim do ano passado sabia que ele começaria a entrar no Campeonato Brasileiro.
Você defende que o Flamengo tenha iniciativa, construa jogo. Mas o time, por vezes, parece mais perigoso em contragolpes…
Estamos tentando ter as duas coisas. No ano passado, muitas equipes nos marcavam perto de sua área. E a gente precisava ter iniciativa, equilíbrio para não sofrer atrás. Neste ano, já vimos outros times marcando nossa saída de bola. E começamos a trabalhar formas de enfrentar a pressão do adversário.
Com os reforços, a expectativa de título aumenta. Como dosá-la num calendário com tão poucos treinos?
Até acho que as pessoas devem ter esta consciência, mas não tenho pretensão de achar que haverá tal paciência. A gente vai buscar entrosá-los nos jogos.
Éverton Ribeiro jogará como meia pelo lado direito? E Geuvânio?
Neste momento, é pela direita, mais aberto, que o Éverton vai se sentir mais à vontade. Numa função a que está habituado. É onde se adapta mais rápido, vindo também por dentro para criar. Geuvânio pode jogar pelos dois lados.
Como fazer o time não sofrer com Éverton ao lado de Diego e Guerrero?
Todos terão que fazer um esforço maior defensivo. O Éverton recompondo, o próprio Diego. E teremos que marcar com força o lado da bola.
Guerrero, Diego, Éverton Ribeiro e mais um meia, como Éderson ou Conca: é utópico vê-los juntos?
Isso demanda uma quantidade de treinamento que não sei se teremos. Em princípio é difícil.
Faltam jogadores íntimos do gol a este Flamengo?
Tudo é fase. A gente andou criando e não transformando em gol. Mas vejo muita qualidade no grupo, ainda mais com os reforços. Tem jogador que, quando está na grande área, parece outro momento do jogo para ele. É natural. Com calma e melhorando nosso jogo de ataque, voltando a jogar bem, os gols vão sair.
Com este elenco, qual a obrigação deste Flamengo? Promete títulos?
Nossa obrigação é ser competitivo. Buscar vitória a vitória. O Corinthians abriu, mas vamos pensar jogo a jogo. Prometo muita luta.
Fonte: O Globo