Entre os grandes clubes, sempre houve consenso de que, bem organizado, o Flamengo seria a NBA do futebol brasileiro. Pois é bom eles se prepararem. Esse dia pode chegar ainda em 2017. Depois de quatro anos de reestruturação financeira sob o comando do presidente Eduardo Bandeira de Mello, um administrador com longa carreira no BNDES, o Flamengo projeta pela primeira vez em décadas fechar um ano com arrecadação maior do que sua dívida. Para ser mais exato, R$ 50 milhões (entrarão R$ 400 milhões, e o débito é de R$ 350 milhões).
A dívida está equacionada. E em dia. Mais do que uma gestão empresarial, o clube adotou postura austera que contrasta com o gigantismo que inflava o ego de todo o contexto flamenguista. Um ego que sufocava e aplicava rasteiras.
O Flamengo atual, me conta o diretor-executivo Rodrigo Caetano, vive com os pés na realidade. Os números são compatíveis com o dinheiro na conta. Nada da megalomania que fez o dono da maior torcida do Brasil, até pouco tempo, ser também dono de nome sujo no mercado.
A folha, por exemplo, é de R$ 6,5 milhões — como a de Inter e Grêmio. O orçamento de 2016 destinou 33% ao futebol. Para 2017, o executivo festeja como gol o aumento para 40%.
Rodrigo se entusiasma ao falar do Flamengo. Tanto que interrompeu as férias com a família na Flórida para me atender e tratar dos projetos e das ideias para 2017. O desafio de ajudar a reerguer um gigante apareceu na vida do principal executivo do futebol brasileiro no final de 2014. Ele topou. Sabia que seus antecessores no cargo, Felipe Ximenes e o conterrâneo Paulo Pelaipe, haviam atravessado um caminho de pedras. E restava ainda um bom tanto de sofrimento pela frente. Rodrigo encarou. Dois anos depois, dá-se ao luxo de comemorar na Flórida o ano que indica ao Flamengo estar no caminho do sucesso.
— Acredito que, no futebol, é preciso se preparar para ganhar e não ganhar para depois de se preparar. O Flamengo tem se preparado para ser protagonista — diz Rodrigo.
O processo de reestruturação do Flamengo começou pela recuperação das finanças e da credibilidade no mercado. A mesma que permitiu contratar jogadores do quilate de Guerrero na metade de 2015 e Diego um ano depois. Não há dinheiro para pagamento à vista. Tudo é diluído ao longo do contrato. O trunfo para atraí-los é o pagamento em dia, a grife Flamengo e o projeto do clube. A segunda etapa dessa reestruturação cristalizou-se no dia 13 de dezembro. Depois de 33 anos, o terreno do Ninho do Urubu, em Vargem Grande, na zona oeste do Rio, virou um CT de primeira linha, uma estação de excelência comum aos grandes da Europa.
Reunião detectou que faltava ao clube dar um salto na estrutura
Conheci o Ninho do Urubu no final de 2011, quando Ronaldinho ainda jogava no Flamengo. Era um arremedo de CT, com acesso em chão batido e contêineres que abrigavam vestiários, salas de imprensa, de musculação e de reuniões. Diferenciada, mesmo, só a paisagem dos morros cobertos de verde. Faltava tudo, até mesmo um muro para separar um dos campos de um condomínio vizinho.
No final de 2015, depois do 11º lugar no Brasileirão, Rodrigo chamou todos os integrantes da área técnica do clube para uma reunião. Queria entender a posição na tabela. Havia cumprido toda a cartilha, com salários em dia e contratações de qualidade, como Guerrero e Cirino. Havia algo errado e era preciso descobrir. Chegou-se à conclusão de que faltava o salto de qualidade na estrutura do clube.
— Decidimos que faríamos uma travessia em 2016 e colocaríamos dinheiro no CT como um todo. As instalações já tinham melhorado, e isso deu toda a condição para brigar pelo título. O projeto foi seguindo paralelamente porque teve dinheiro. Não tinha mais sentido ficar com aquela estrutura. Quantos jogadores de renome o Flamengo contratou e sempre ficou na parte de baixo desde 2009? — aponta Rodrigo.
O clube já havia melhorado as instalações na Gávea, no coração da zona sul do Rio. Faltava avançar no Ninho do Urubu. E foi feito. O local ganhou dois prédios para os profissionais. O primeiro tem dois pavimentos, com sala de jogos, auditório, sala de reunião, biblioteca, refeitório, cozinha industrial e hotelaria, com 24 suítes.
No segundo, estão sala de imprensa, vestiários com sauna e jacuzzi, sala de musculação e piscinas. O centro de excelência e performance, que abriga departamento médico, fisiologia e preparação física, havia sido inaugurado em fevereiro e já foi usado por atletas de fora, como Anderson Silva, Minotauro e José Aldo. Agora, Conca faz recuperação lá — e deve ficar para jogar.
O projeto do clube é finalizar até dezembro de 2017 a estrutura de prédios para a base. O padrão será o mesmo, avisa Rodrigo. O plano é de integração total entre o sub-20 e o profissional. O que na prática já existe. Os treinos são sempre no mesmo horário e em campos vizinhos.
O executivo prevê para 2017 aproveitamento maior dos garotos. Aposta em nomes como o do zagueiro Léo Duarte, do volante Ronaldo, do meia Lucas Paquetá e dos atacantes Vizeu e Thiago Santos. Todos passaram 2016 no grupo, como um processo de transição. Neste ano, ganharão mais espaço. Voltar a revelar talentos em grande número é outra das metas traçadas por esse Flamengo de pés no chão e passos firmes.
E, quando um gigante como o Flamengo caminha com passos firmes, é bom os adversários temerem.
Por: Leonardo Oliveira