Aos 51 anos, Cesar Sampaio se sente como um aprendiz em sua segunda participação ao lado de Tite, em Singapura.
Ex-volante de sucesso no futebol brasileiro, com três gols pela Seleção na campanha da Copa do Mundo de 1998, ele tem participado de maneira efetiva das discussões dentro da comissão técnica.
Foi depois de ver de perto Matheus Henrique, jogador que ele conhecia ainda dos tempos de São Caetano, que Sampaio referendou a convocação do volante gremista. De licença da função de comentarista em dois veículos de imprensa e também do clube Cidadãos do Futebol, do qual é presidente em São Paulo, ele se aproximou de Tite após realizar outro curso de treinador da CBF.
Em entrevista ao GloboEsporte.com, Sampaio falou sobre o aprendizado dentro da comissão técnica de Tite, a contribuição para a convocação de Matheus Henrique e também das ideias que expôs em encontro com treinadores singapurenses na passagem da Seleção pelo país asiático.
O Brasil volta a treinar nesta tarde de sábado em Singapura - manhã de 6h30 horário de Brasília. O jogo contra a Nigéria será domingo, às 20h locais - 9h de Brasília. Com dois empates (Colômbia e Senegal) e uma derrota, o time de Tite não vence desde a final da Copa América, nos 3 a 1 sobre o Peru
Confira a entrevista com Cesar Sampaio:
GloboEsporte.com: O que falta para você permanecer como auxiliar da comissão técnica de Tite?
Cesar Sampaio: Se estou retornando é porque acho que deixei algo positivo. Estou a convite da comissão e do Juninho, principalmente. Mas não estou preocupado com o que vai acontecer, porque o que tenho vivido tem sido intenso e bem diferente do modelo de gestão de seleção brasileira de quando eu era jogador. Não esperava encontrar aqui departamento tão bem preparado, com cargos ocupados por pessoas competentes e também a integração que o Tite, o Cleber Xavier e o Matheus fazem. É algo que não imaginava. Nunca vi clube sendo gerido dessa forma. Não são perfeitos, mas são métodos em que procuram extrair o máximo de cada um, no menor tempo possível.
Muitas vezes um auxiliar cuida mais de bola parada, de outra coisa mais específica. Qual a função que você tem desempenhado?
Eu tenho participado de tudo um pouco. Primeiro fazendo levantamento de informações, de dados e aí cruzamento disso com modelo de jogo. Depois estudamos adversário. Fazendo analogia, mais ou menos como se fosse montar uma Ferrari. Se trouxer a peça errada você pode arrebentar com o carro. O nível de atenção nosso, de filtro, de sensibilidade, usando a ciência, tecnologia, a coordenação científica, é de um organismo vivo.
Quem não está preparado e quer mais ver treino e jogo, fica pouco tempo aqui. Agora quem quer entender, porque tem que entender os processos, tem muita coisa. Tenho extraído coisas de cada setor. Eles estão há três anos e meio aqui, que não vou pegar em três anos e meio aqui em 10 dias. Mas tem sido prazeroso.
Soube que você referendou a convocação de Matheus Henrique. Você foi vê-lo jogar, falou com ele?
Não falei com o atleta, mas já o conhecia desde o São Caetano, depois vi atuar no Grêmio. É um jogador que destrói construindo, dificilmente você vai ver ele chutar uma bola para fora. Ele não dá um carrinho aleatório, um cara que procura recuperar a bola de forma limpa. Preparando para uma ação ofensiva. Acho que o futebol atual valoriza muito isso, o defensor que ataca, o atacante que tem funções defensivas. E o Matheus é um jogador de mobilidade.
Eu quando não estava na Seleção, procurava ver o que o jogador que estava na Seleção estava fazendo, como o Mauro Silva. Não que eu fizesse a mesma coisa que ele, mas a referência do funcionamento dele dentro do esquema tático.
Tendo Arthur como segundo volante, o Matheus tem características próximas e particularidades. Fui um dos votos positivos para trazê-lo e espero que ele possa dentro de campo, dentro do que vi e de todos, porque se não me engano foi unanimidade na comissão, colocar aquilo em prática aqui.
Você falou em Singapura que o Brasil tentou copiar modelo europeu e que tem que voltar ao verdadeiro futebol brasileiro. Hoje se questiona a contribuição de técnicos estrangeiros no país, como o Flamengo do Jorge Jesus. Você vê atraso no futebol brasileiro? Como reflete sobre esse assunto?
Na minha avaliação perdemos nossa identidade quando começamos a correr atrás de quem ganha. Nós somos um pequeno mundo, o Brasil tem a marca da miscigenação. Nossa cultura de jogo está muito atrelada ao povo. É difícil fazer com que uma equipe japonesa jogue como equipe alemã. Pelo tipo físico. E esse contexto está muito inserido na cultura do futebol brasileiro. Morei fora do Brasil, na Europa e na Ásia, então quando esses continentes vão olhar o futebol brasileiro eles esperam ver a magia, o brilhantismo, a plasticidade e a irreverência da capoeira, da rua, do futebol de praia. Isso resolvendo os problemas do jogo de forma organizada. Hoje só isso não é suficiente.
Antes a chance de você ganhar com jogadores bons era de 80%, hoje acho que a evolução física, tecnológica, fisiológica, a organização tática das equipes, mudou isso. Às vezes você tem um time melhor, tecnicamente melhor e perde.
Coisa que no feminino acontecia mais. Os times femininos bons ganhavam dos mais fracos, mas hoje a força e a velocidade está começando a equiparar isso. A gente tem visto equipes fortes perdendo para equipes organizadas. O que vejo é que o Tite é o novo buscando referências no velho. Ele usa toda evolução fisiológica, mas buscando jogar dentro da nossa identidade. Falei para ele que mudei um pouco de opinião. Antes pensava que a função do defensor é defender apenas, mas no Brasil um defensor que só faz isso não vai ter tanto espaço. Brasil joga mais com a bola do que sem a bola. O defensor então precisa de muito mais qualidade de passe. Não é só o cara que vai destruir. Ele vai mais construir do que destruir. Então são coisas que a gente só vai vendo quando está aqui dentro.
Mas esse tema, de analisar o que tem sido feito por Jesus e Jorge Sampaoli, entra na discussão entre treinadores? Comentam no curso as críticas de que os treinadores brasileiros estão atrasados?
Não sou treinador, fiz o curso de preparação, fiz de análise de desempenho, fiz as licenças todas e de gestão. Estava na área de gestão até então. Para mim bom gestor tem que entender todas as áreas. A minha visão como gestor é de que esta é a ideia do brasileiro. É um pouco cultural. A diferença dos treinadores brasileiros para os europeus: a grande maioria dos europeus, tudo que eles entendem como positivo, eles escrevem e é absorvido pelas confederações. O brasileiro, para não perder o emprego, aqui tem toda essa coisa de invasão de CT também, fica guardando.
Se tivéssemos, como Tite falou, Telê Santana, Zagallo, Ênio Andrade, Vanderlei, Felipão, se esses caras tivessem documentado isso seria engrandecedor para a gente. Mas aí o conteúdo ficou na cabeça dos caras, porque “se eu expuser o que sei o cara vai me travar”. Essa é a ideia (deles).
Aí vou perder o jogo e vou ser mandado embora. Mas não é isso. Na verdade, tem variáveis do jogo que não se controla. Acho que essa é a diferença.
E falando do Jorge Sampaoli e do Jorge Jesus. Na minha avaliação, acho que é um futebol muito bonito, ofensivo, mas não é o brasileiro. É um futebol desequilibrado. São equipes que para construir, às vezes elas desestruturam o setor de meio de campo e o setor defensivo. Lógico que o Santos tem menos reposição, o Flamengo tem mais, tecnicamente os jogadores são melhores e a tendência é que isso prospere no Flamengo. Mas quando você equipara as forças, se não tiver jogo mais equilibrado, você pode até perder com uma equipe até melhor tecnicamente.
Fonte: Globo Esporte
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