De férias no Rio, Renato nem lembra mais como abrir a porta de acesso à área de lazer do seu edifício.
Já em Porto Alegre, onde nem pode sair à rua por conta do assédio dos gremistas, ele negocia com a gerência do hotel gaúcho em que vive a conversão da quadra de tênis numa de futevôlei.
— Ninguém usa aquilo o ano inteiro! — conta ele que, entre um jogo e outro de sua diversão preferida, deu esta entrevista ao GLOBO.
Você reclama de não poder viver como gosta em Porto Alegre. No entanto, topou mais um ano lá...
A minha família é grande, eu preciso trabalhar.
Mas você trabalharia aqui, só que no Flamengo.
- É verdade que lá [no RS] não tenho paz. Mas você acha que aqui, ganhando ou perdendo, teria paz com a torcida do Flamengo? Aqui, mal cheguei, já são 500 pessoas por dia falando comigo. E o presidente do Grêmio [Romildo Bolzan] já tinha me pedido para ficar, porque era o último ano dele.
Que recepção espera no Jogo das Estrelas deste ano, dia 27? Teme vaias como em 2014, quando a torcida do Fla não te queria?
Não sei. O Zico me deixou à vontade. Disse que queria contar comigo. Se tiver vaia, um pouco de raiva, do que não aconteceu, eu entenderia. A torcida de repente ficou magoada. Mas eu falei que esse dia vai chegar. Tem a geração mais antiga que me viu jogar no Flamengo, mas a mais nova só lembra do gol de barriga [pelo Flu]. Em 2014, talvez eu tenha sido culpado porque não levava a sério a minha profissão. os clubes tinham receio de apostar num cara assim. Me dei férias de dois anos. Minha família me falou: “Ou você se leva a sério ou as pessoas não vão te levar". Prometi que levaria a sério.
Você ainda ajuda seus parentes? Quantos?
Entre familiares espalhados no Sul e amigos, bota 70 pessoas para eu sustentar. Mal vejo eles. Sendo técnico, é difícil até dormir, até por causa das viagens. Jogador vai pra casa, enquanto tenho que pensar em tudo.
Você diz levar a sério a carreira, mas se fala muito do “personagem Renato", o irreverente que esnoba o estudo. Isso incomoda?
Eu sou assim, não tem personagem. É só o Renato em todos os sentidos e todas as horas. Personagem por quê? Porque eu falo coisas que não agradam a todo mundo? Você vê o grande treinador com o que ele tem nas mãos. Quando cheguei no Grêmio pedi alguns jogadores. Eu falei: “Não vão nem gastar muito". O Grêmio ganhou quatro títulos [Copa do Brasil, Libertadores, Gauchão e Recopa] e não gastou nada. Ainda formei jogadores, eles ganharam dinheiro. O [atacante] Éverton tem oferta de 50 milhões. Aí você vê o trabalho. Tem muito treinador que não trabalha com a base, quer jogador pronto.
Mas dizia que não precisava estudar, ironizava reciclagens na Europa...
Será que tenho que aprender na Europa? Vejo uma porrada de jogos da Champions. “Ah, que futebol bonito, que jogaço!”. Concordo. Mas olha quem joga.
A quantas aulas você foi no curso da CBF?
O trato que eu fiz é que iria um só dia, e eu queria ver a aula do Parreira. Cheguei de manhã, o Parreira era de tarde. Aí eu disse ao organizador lá: “Amigo, você me deu a informação errada...” Aí vi a do Sandro Orlandelli, scout do Manchester United, que é meu amigo.
Em 2008, no Flu, você tinha fama de retranqueiro. Por que o Renato ofensivo só deu certo agora?
Gosto de futebol ofensivo, fui atacante. Sei que, jogando para ganhar, estou mais próximo da vitória do que da derrota, e o adversário vai me respeitar. Mas precisa ter bala na agulha, preciso ter as peças. O Grêmio joga da mesma forma em todos os lugares. Mas sem bala, não tem como fazer isso.
Mas aquele Flu da Unimed tinha bala e você escalava três volantes...
Tanto tinha bala que foi campeão da Copa do Brasil [em 2007], e perdeu a Libertadores-2008 sabe-se lá como. Como dizer que o time jogava para trás?
No início de carreira, você parecia se irritar no campo porque sabia que podia resolver o jogo...
O Zico me falou sobre isso: "Renato, bota uma coisa na tua cabeça. Não adianta você achar que vão fazer o que a gente fazia. Esquece. É aquilo ali. A qualidade dá pra melhorar, mas não vai pegar a bola, driblar três ou quatro".
Ele disse isso quando?
Quando eu estava começando. Cruzava com ele, me irritava. Se você pegar um jogador que para logo e vira treinador, tem muito disso. É um aprendizado da faculdade de quando você para até chegar a ser treinador. Leva muita coisa pra dentro do campo.
Se chegasse num clube agora, daria para montar um time que jogasse em 2019 como o Grêmio?
Depende. No Flamengo, daria, porque tem grandes jogadores. Com aquele elenco, não dá para ficar um ano sem título. Com duas ou três peças, ajeitava aquele time. Mas teria que ter autonomia para contratar. Sem autonomia, nem vou.
Que achou do Palmeiras?
Felipão é bom; o time é bom; e ele acertou o vestiário. Mas, na minha opinião, jogamos mais. Mesmo com as lesões que tivemos, chegamos em todas. Só não ganhamos a Libertadores porque fomos roubado.
Como está o Rio?
Tem que frear a violência. Para mim, é a melhor cidade do mundo. Podia ir a qualquer lugar, mas fico aqui.
Você não viaja para o exterior nas férias, né?
Passo o ano todo no avião, encarando barulho de aeroporto. Carol viaja, mas minha mulher fica aqui comigo. Ela entende. Eu tenho casa em Búzios, mas tem seis anos que não vou lá. A Maristela fala que vai vender a casa. Eu digo: “Vende”. Adoro Búzios, mas tem que juntar uma galera para jogar, não consigo ir à praia para ficar sentado. Um dia vou ter a vida ganha de vocês (risos).
Você não tem projeto de trabalhar na Europa?
Meu projeto é a seleção. Não vou treinar ninguém lá fora. Já tive chance e não vou, eu me conheço. Não vou conseguir me adaptar e não preciso. Ganho bem.
Em um ano seu salário vai bater R$ 1 milhão.
Se vai bater, não sei. Como te falei, a família é grande.
Fonte: O Globo
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ResponderExcluirNão veio por não querer agora não adianta ficar dando palpite.
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