quinta-feira, 1 de junho de 2017

Botafogo jogou todas as partidas na Arena da Ilha sem laudos!



Foram 13 partidas do Botafogo na Ilha do Governador em 2016 — duas pela Copa do Brasil e 11 pelo Campeonato Brasileiro. Juntas, elas atraíram perto de 117 mil pessoas, quase 9 mil em média, após o clube elevar para 15 mil torcedores a capacidade do estádio da Portuguesa.


No entanto, a obra de ampliação não tinha alvará da prefeitura, segundo a Secretaria Urbanismo, Infraestrutura e Habitação do município do Rio de Janeiro.

O Luso Brasileiro mudou de inquilino na virada do ano, quando o Botafogo voltou ao Nilton Santos (também chamado "Engenhão") e o Flamengo alugou o local, dando início a uma nova e mais detalhada reforma. O Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro fez seguidas exigências a cada inspeção, e a obtenção das autorizações foi bem mais complexa. Com isso, o estádio ainda não recebeu jogos em 2017.

Só na noite desta terça-feira, 30 de maio, o clube conseguiu a última autorização pendente. Com isso, os flamenguistas seguem sem estrear o local, que comportará 20.500 torcedores. O jogo com o Atlético Goianiense, pela Copa do Brasil, por exemplo, foi parar no Maracanã após veto. Já o de domingo, diante justamente do Botafogo, com a demora na liberação do último laudo, será em Volta Redonda (às 11 horas) por questão de horas na emissão do documento pelos bombeiros do Estado.

Quando o Botafogo mandou instalar mais arquibancadas na Ilha, o prefeito era Eduardo Paes. Neste ano, Marcelo Crivella ocupa o Palácio da Cidade. No ano passado, o Corpo de Bombeiros chegou a liberar o estádio para 12 mil torcedores. Como a CBF exigia a capacidade mínima de 15 mil pessoas para jogos do Campeonato Brasileiro, os alvinegros tiveram que levar a partida diante do Vitória para Volta Redonda. Só adiante houve a autorização para um público maior e a primeira peleja foi Botafogo 3 x 3 Flamengo.

Ao blog, o Corpo de Bombeiros (CBMERJ) justificou a demora na aprovação do estádio para o Flamengo via e-mail, enviado em 31 de maio às 18h16:

"O tempo de tramitação dos projetos de segurança contra incêndio e pânico pode variar por inúmeros motivos. No caso específico, a obra foi executada em desacordo com o projeto apresentado e aprovado pelo CBMERJ. Por conta disso, a autorização definitiva só foi emitida após as correções necessárias".

Os bombeiros acrescentaram que "para a atividade em questão (estádio de futebol), além da documentação regular exigida pela corporação, é necessária a emissão de um documento específico para atender o Estatuto do Torcedor", cuja regularização se dá em quatro etapas:

"1) Apresentação do projeto de segurança contra incêndio e pânico pelo responsável da edificação ao CBMERJ. Nele, deve constar a previsão de público e dispositivos de segurança. Sendo o projeto aprovado, é emitido um Laudo de Exigências (LE) pela corporação;

2) Após vistoria e constatação do cumprimento das exigências consignadas no LE, é emitido um Certificado de Aprovação (CA);

3) Como se trata de edificação destinada à reunião de público, é necessária a emissão de um Certificado de Registro (CR), documento anual obrigatório para este tipo de atividade;

4) Para atender, exclusivamente, a exigência Estatuto do Torcedor, é emitido o Laudo de Prevenção e Combate a Incêndio e Pânico (LPCI)".

Sobre a estrutura montada em 2016, a corporação registrou que são projetos distintos, cujas exigências foram atendidas em tempos diferentes. 

"Não cabe comparação, uma vez que o cumprimento das exigências depende da execução por parte de cada clube. A quantidade e disposição dos dispositivos fixos e móveis de segurança contra incêndio e pânico obedecem a especificações como dimensão da área, lotação, entre outros quesitos", alegou o CBMERJ.

Apesar disso, a obra do Botafogo gerou polêmica após o uso do local. A Portuguesa reclamou das condições de instalação de equipamentos, por ela consideradas ruins, segundo publicou o site Globo Esporte — clique aqui para ler e veja as fotos que ilustram a matéria do dia 8 de dezembro de 2016. A respeito desse registro, os bombeiros responderam que "se trata do período em que o Botafogo estava desmontando a estrutura que era utilizada pelo clube no estádio da Portuguesa".

Ao Corpo de Bombeiros cabem as questões relacionadas à segurança contra incêndio e pânico. Por isso, sobre a não localização do alvará, o blog questionou a Secretaria municipal, e a resposta foi:

"O Flamengo entrou com pedido de licença de obras no dia 26 de abril de 2017". E mais. "Não há registros de processos abertos pelo Botafogo." Questionada se não seria obrigatório o clube abrir tal processo para realizar a obra do estádio da Ilha do Governador em 2016, a resposta foi: "Sim, seria (...) a responsabilidade da Secretaria de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação é o licenciamento para a realização de obras, apenas. O alvará de funcionamento da atividade é dado pela Coordenadoria de Licenciamento e Fiscalização da Secretaria de Fazenda".

Procurada, a Secretaria de Fazenda respondeu: 

"Por favor, entre em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Infraestrutura Urbanismo e Habitação". Esta retornou em 16 de maio: 

"Não temos registro de licença de obra solicitada pelo Botafogo para intervenções na Arena da Ilha. O Botafogo deveria ter apresentado o seu projeto para avaliação da antiga Secretaria Municipal de Urbanismo. Diante disso, o órgão da gestão passada poderia ter identificado a questão através de uma fiscalização. Para a intervenção atual do local, de responsabilidade do Flamengo, o processo está correndo normalmente, conforme as regras, com processo aberto e sendo acompanhado pelos técnicos da Secretaria de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação. O pedido de licença foi realizado no dia 26 de abril deste ano".

A assessoria acrescentou "Estamos passando para você o que nos cabe na gestão atual. Como a questão da irregularidade surgiu na gestão passada, e não gera riscos para o processo de hoje, vamos nos limitar a falar sobre as responsabilidades da atual gestão".

Perguntado se a realização de tais mudanças no estádio da Ilha sem alvará caracteriza irregularidade, o presidente do Crea-RJ (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro), Reynaldo Barros, respondeu que sim. Para a Prefeitura. 

"Quem ordena o solo urbano é a prefeitura. Então, as licenças para uma obra regular são dadas pela prefeitura. Isso é obrigatório. Qualquer obra dessas deve seguir regras dos bombeiros, ambientais, etc. E atender requisitos da legislação profissional, com empresa registrada no Crea, com anotação da responsabilidade técnica", explica.


No site da prefeitura do Rio de Janeiro, o pedido de alvará feito pelo Flamengo em 2017
Tal item não faz parte da documentação fiscalizada pelo Conselho Regional de Engenharia, autarquia com a finalidade de verificar o correto exercício profissional. Para um estádio ser liberado e receber eventos é necessária licença do Corpo de Bombeiros. Este sim, fiscaliza se toda a documentação dos outros órgãos está em dia.

O Crea acrescenta que caberia à fiscalização da prefeitura verificar se havia alvará. Por isso obras têm placas com postura municipal e a Lei 5.194 (regula o exercício das profissões de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro-Agrônomo) e existem resoluções que obrigam a identificação do engenheiro responsável, etc. 

"Com a placa, a fiscalização do Crea pode verificar se a obra é regular ou não. Mas quem deve fiscalizar se tem a licença é a prefeitura", reforça Reynaldo Barros.

O presidente do Crea explica que cada órgão tem suas exigências a serem cumpridas, com projeto executivo, responsável técnico etc. O Conselho chegou a verificar a canalização de um córrego na área do estádio, se havia algum problema de segurança. Normalmente, concluída a obra é dada baixa na execução e o Crea voltar para fiscalizar. A anotação de responsabilidade técnica é solicitada pelos bombeiros, que verificam se está tudo compatível com as questões dos códigos de pânico e incêndio, podendo procurar o Conselho de Engenharia.

A irregularidade, a inexistência do documento que autoriza a obra, equivale a sair pela cidade dirigindo um caminhão sem carteira de habilitação. 

"É uma infração grave não ter o alvará e não ter considerado no projeto a interferência do córrego, são equívocos de uma condução do trabalho e a responsabilidade é da instituição, do contratante. Quem contrata mal gasta duas vezes", diz Barros.

Indicado pela assessoria de imprensa do Botafogo a tratar do assunto, o vice-presidente administrativo, Anderson Simões, foi procurado várias vezes pelo blog. Em 11 de maio, às 19h38, via WhattsApp. No dia seguinte o dirigente atendeu ao telefonema e disse que estava ocupado, pediu para que ligasse em 40 minutos. Não foi possível o contato naquele horário. Novos telefonemas não foram atendidos.

Em 15 de maio, às 21h37 e às 21h41, a ele foram enviados e-mails a dois endereços eletrônicos passados por sua assessoria. E outro no dia 19, às 17h07. Em 20 de maio, nova mensagem por WhattsApp, sem retorno, o mesmo acontecendo em 25 de maio às 17h56, também sem qualquer resposta. Mais um e-mail foi endereçado ao vice botafoguense às 18h02. Até a publicação deste texto, Anderson Simões não respondeu às perguntas.

Ante a falta de retorno por parte de seu vice, o presidente do Botafogo, Carlos Eduardo Pereira, foi procurado pelo blog em 30 e 31 de maio, via telefonemas, mensagens de texto e por e-mail. A pergunta: segundo a Secretaria de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação do Município do Rio de Janeiro, em 2016 as obras feitas para ampliar a capacidade do estádio Luso Brasileiro não tinham alvará da prefeitura. A Secretaria não encontrou registros da mesma. Qual a posição do Botafogo a respeito?

Por SMS, às 21h54 do último dia do mês, ele respondeu: 

"O Botafogo tirou todas as licenças e laudos necessários para plena utilização da Arena Botafogo em 2016. Não tenho como falar sobre os registros da Prefeitura".

O blog entrou em contato telefônico com a Mills, responsável pela montagem das arquibancadas em 2016. Por e-mail, questionou se a empresa sabia que não havia alvará; a quem caberia solicitar tal documento, se a ela ou o Botafogo; por que a Mills tocou a obra sem o alvará, se isso não seria irregular; se a Mills sabia da existência de um córrego no local e por que a Mills fez a montagem da arquibancada sem as intervenções realizadas em 2017 (clique aqui e leia) devido ao córrego. E se elas seriam indicadas na ocasião.

A resposta veio por intermédio da gerência de marketing, e sequer cita a palavra "alvará": 

"Conforme falamos, ressalto que a Mills não é construtora, fomos contratados pelo Botafogo, em 2016, somente para a execução da montagem de uma arquibancada provisória. Para a execução do nosso serviço, que contemplou somente o projeto e a montagem desta arquibancada, providenciamos toda a documentação técnica e autorizações necessárias, o que incluiu a ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) do nosso projeto e montagem".

No dia 31 de maio, às 20h40, o Flamengo publicou nota em seu site — clique aqui e leia. Nela, cita a obra de transposição que mandou realizar após a localização da tubulação de águas pluviais sob a arquibancada Leste. E acrescenta que ela "poderia colocar em risco a integridade física e a segurança da torcida". O clube garante ter seguido rigorosamente todas as determinações dos diferentes órgãos "a respeito de questões relativas à segurança e ao conforto para torcedores, atletas e profissionais que frequentarão o local".

Mas afinal, quem deveria providenciar o alvará junto à prefeitura do Rio e verificar o problema do córrego, constatado apenas em 2017, o Botafogo ou a empresa que tocou a obra?

"Um clube de futebol não pode ser responsabilizado por uma avaliação técnica que cabe a profissionais da área. Porém cabe ao clube a contratação de profissionais qualificados para fazerem essa avaliação", respondeu o presidente do Crea.

Fonte: Mauro César Pereira

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