Do ponto de vista esportivo, o Flamengo ainda titubeia. Sem o título do Campeonato Carioca e sem jogar a Libertadores em 2016, foi eliminado precocemente na Copa do Brasil pelo Fortaleza e frustrou a torcida no Campeonato Brasileiro.
Contratou Diego no meio da temporada, esboçou uma reação, viralizou a história de que havia um cheirinho de título no ar. No fim, acabou superado na tabela pelo Santos e viu o Palmeiras ser campeão nacional. Não que a torcida vá se conformar, mas, se serve de consolo aos rubro-negros, ao menos financeiramente o clube continua no eixo e na vanguarda.
O Flamengo teve em 2016 o maior faturamento de sua história: R$ 469 milhões. O valor é 32% superior aos R$ 356 milhões que arrecadara em 2015 – o percentual é muito maior do que a taxa de inflação brasileira, 6% no ano, e assegurou ao clube um crescimento real. O economês pode parecer meio frio, mas faz toda diferença. Um time de futebol que ganha mais dinheiro de um lado tem mais para gastar do outro. É seguro afirmar que, sem a consistente evolução financeira rubro-negra, a contratação de Diego ou não aconteceria, ou seria de uma irresponsabilidade cara ao futuro do clube.
A explicação para o incremento financeiro está na televisão. O time recebeu R$ 197 milhões por seus direitos de transmissão, um pacote que inclui as tevês aberta, fechada e pay-per-view, e ainda negociou antecipadamente seus direitos pelas temporadas de 2019 a 2024, o que lhe rendeu R$ 70 milhões adicionais em 2016. Os dois valores, juntos, fizeram com que a TV respondesse por 57% do faturamento flamenguista. As cifras obtidas pelo departamento de marketing e comercial, R$ 94 milhões, e por meio da torcida, R$ 78 milhões com bilheterias e sócios-torcedores, caíram em relação a 2015.
O crescimento do faturamento possibilitou ao Flamengo elevar seus gastos com salários de atletas. Em 2016, o time dedicou R$ 155 milhões a este fim, um reajuste de 34% em relação aos R$ 115 milhões que gastara em 2015. Repare que, percentualmente, as despesas com jogadores aumentaram em nível próximo ao do aumento das receitas. Isso denota responsabilidade financeira. Embora haja outros gastos, como viagens, hotéis, transportes, entre vários outros administrativos, é com as remunerações de atletas que você deve se preocupar. Esse gasto, que inclui salários, direitos de imagem e de arena, indica a qualidade do time dentro de campo.
Foi na temporada de 2016, também, que pela primeira vez o Flamengo passou a ter um faturamento equivalente à sua dívida. O endividamento do clube caiu 15%, de R$ 552 milhões em 2015 para R$ 470 milhões em 2016, graças aos frequentes superávits da gestão de Eduardo Bandeira de Mello. A dívida bancária, embora ainda alta, foi reduzida em R$ 50 milhões durante a temporada. Ainda há um longo caminho para que o endividamento caia a um patamar confortável. Para 2017, segundo o orçamento rubro-negro, R$ 50 milhões foram reservados para pagar juros de empréstimos, um dinheiro que poderia ir para o futebol. O notável é que, apesar da pressão por títulos, o clube continua a pagar suas dívidas. Sem titubear.
Algumas explicações
Tudo o que você leu aqui está no balanço financeiro do Flamengo, publicado com antecedência ao prazo legal, que expira para todas as empresas do Brasil em 30 de abril, aliás uma boa prática da gestão de Bandeira de Mello. ÉPOCA organizou os dados, conferiu critérios com Cesar Grafietti, analista financeiro do Itaú BBA que se dedica há anos à análise da evolução financeira do futebol, e tirou dúvidas com Cláudio Pracownik, vice-presidente de finanças do clube carioca. Aos mais interessados pela contabilidade, cabem algumas ressalvas.
A começar pela receita. As demonstrações financeiras mostram um valor de R$ 510 milhões, mas carecem de alguns ajustes para refletir a realidade do clube. Ao assinar com a TV Globo o contrato de direitos de transmissão a valer entre 2019 e 2024, o clube assegurou R$ 120 milhões em luvas, isto é, um prêmio por fechar negócio. Mas só recebeu R$ 70 milhões em 2016. Os demais R$ 50 milhões – que foram registrados em balanço como R$ 30 milhões após a inflação projetada até lá – serão pagos pela emissora em 2019 e 2021. Não há nada de errado do ponto de vista contábil em colocar todas as luvas no balanço, mas ÉPOCA considerou apenas os R$ 70 milhões de 2016 para não gerar a falsa impressão de que entrou dinheiro a mais.
Quanto o Flamengo arrecadará com TV entre 2019 e 2024
Ainda em relação ao faturamento, outros R$ 11 milhões foram desconsiderados por não serem uma receita de verdade. Explica-se. O Flamengo recebeu um adiantamento em 2013 por um negócio que fechou com Eike Batista pelo Morro da Viúva – o ex-bilionário queria construir um hotel quatro estrelas no terreno que pertence ao time. Os dirigentes rubro-negros teriam de devolver esse valor ao empresário em algum momento, mas, no início de 2016, sentaram para renegociar e tiveram a dívida pelo adiantamento perdoada. Como o clube tinha uma dívida, mas não a tem mais, lançou o valor perdoado como receita. De novo: contabilmente, está tudo certo. Mas não entrou nenhum centavo na conta rubro-negra por isso.
Quanto à dívida, ÉPOCA aplica os mesmos parâmetros que Grafietti, do Itaú BBA, usa para avaliar companhias no mercado financeiro. O critério é razoavelmente simples. É dívida tudo aquilo que o clube tiver de por a mão no bolso para pagar – o que desconsidera dívidas meramente contábeis. Do lado do patrimônio, só vale considerar como ativo a grana que está em conta corrente, livre para ser usada no abatimento de dívidas. Valores incertos, que estejam presos por disputas judiciais ou dependam de terceiros para entrar, não valem. É, portanto, um critério que permite ter a noção mais realista, e nem por isso injusta, do endividamento e da saúde financeira do clube.
Fonte: ÉPOCA
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