Talvez a melhor prova da gravidade do empate da seleção brasileira olímpica contra o Iraque, neste domingo, seja a reação de Galvão Bueno, justamente o mais ufanista entusiasta do nosso futebol. Depois da partida, e da transmissão do revezamento 4×100 masculino da natação que foi mais emocionante em seus poucos minutos do que os 180 de bola rolando, o narrador fez um discurso duro contra a seleção, os jogadores e – vejam só – até mesmo os dirigentes da CBF, entidade corrupta com a qual a Globo sempre foi complacente, para dizer o mínimo.
Galvão não falou no “Bem, amigos”, seu programa semanal no SporTv. Falou para os telespectadores do canal de maior audiência no país, onde não costuma ser incisivo em suas opiniões. Mesmo hipócrita e atrasada, a indignação de Galvão Bueno pareceu sincera. Ele também parece cansado das seguidas decepções do futebol brasileiro, mesmo que esta indignação esteja alguns anos atrasada em relação àquela do torcedor e de parte da imprensa. Não é de hoje que mesmo aqueles que não acompanham o futebol a fundo sabem que existe algo bastante errado com nossa seleção, com nossos campeonatos nacionais, com o modo como administramos o esporte mais popular do país.
O empate poderia ser um tropeço corriqueiro se não acontecesse depois de outro zero a zero, contra a África do Sul, na estreia das Olimpíadas. Se não viesse meses após a vexaminosa eliminação na primeira fase da Copa América Centenário. Se não viesse depois de outras duas eliminações seguidas no mesmo torneio para adversários de menor tradição. Se não acontecesse pouco mais de dois anos depois de uma derrota por 7 a 1 em semifinal de Copa do Mundo em casa. É mais do que um tropeço: é o sinal de decadência que se acumula a tantos outros ao longo de poucos anos.
Galvão criticou não só a atuação abaixo da crítica da seleção olímpica, mas também a atitude dos jogadores, que saíram do gramado do Mané Garrincha sem dar entrevistas. Seu discurso pendeu para o velho e sempre atrativo apelo à dedicação, à entrega e ao comprometimento no esporte. Um apelo muitas vezes fajuto e enganador, mas que teve força num dia em que Novak Djokovic, número um do tênis mundial, chorou copiosamente ao ser eliminado do torneio de tênis masculino.
Só que não foi exatamente dedicação o que faltou à seleção. O principal problema é tático. O meio de campo, formado inicialmente por Thiago Maia, Renato Augusto e Felipe Anderson, não existe. Há um buraco entre defesa e ataque. Os três atacantes de lançam à frente, um em cada ponta e outro no centro, enquanto os meias, distantes, não conseguem fazer a bola sair do primeiro terço do campo e chegar ao terceiro. Sem opções de passes e sem ocupação de espaços, fica difícil passar por duas linhas de quatro minimamente coordenadas, como foram as do Iraque.
Mas o grande medo é que o problema não seja somente tático. Tite assumiu a Seleção principal carregando as expectativas de modernização de nosso jogo. Poucos pararam para pensar, porém, numa possibilidade: e se não der certo? Se Tite não conseguir dar jeito nesse time? Micale, treinador competente de ideias arrojadas, parecia ser capaz de materializar essa esperança na versão sub-23 da canarinho, mas tem falhado como falharam Felipão, Dunga, Parreira. Então a culpa é da qualidade dos jogadores? Difícil sustentar essa tese. O elenco brasileiro é muito superior aos seus adversários na Olimpíada, assim como o principal é melhor que a maior parte de seus algozes recentes.
O problema brasileiro parece ir além da deficiência tática e da suposta baixa qualidade da safra atual. Também não se limita à incompetência e corrupção no comando de nosso futebol – afinal, esse comando foi sempre deficiente, mesmo quando alcançávamos nossos maiores títulos dentro de campo. É algo além disso tudo, ao mesmo tempo em que parece ser uma mistura de todos esses fatores. Uma combinação perfeita de tudo que sempre fizemos de errado e que agora não conseguimos varrer para debaixo do tapete. Talvez porque não tenhamos mais Ronaldo, Rivaldo, Romário, Zico, Pelé, Garrincha. Ou talvez porque nossos adversários cresceram de uma maneira que não conseguimos acompanhar. E então nossas glórias nos puxaram para trás, para um passado que não volta mais, para um modo mais simples de fazer e pensar o futebol.
Hoje em dia não é mais simples. Não é só colocar grandes jogadores juntos para vencer um time inferior tecnicamente. Não é mais apelar para a dedicação quando não se tem organização. Quando se faltam ideias. Quando se falta inspiração. Enquanto isso, pedimos pela Marta em jogo da seleção masculina, vaiamos nossos jogadores, mas pouco pensamos na profundidade do buraco em que nos metemos.
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