“Quer testar?”, pergunta Salvador Carmona. Ele já fez esse exercício várias vezes, mas sempre com dirigentes de clubes, não com jornalistas. O objetivo é mostrar como funciona o sistema da Driblab, que analisa dados de jogadores de futebol.
No teste conduzido por Carmona, fundador da empresa espanhola, a missão é encontrar um possível substituto para Gabriel Barbosa, o Gabigol, no Flamengo.
O repórter escolhe as especificações: o novo atacante deve ter até 27 anos e jogar em ligas de América do Sul, América do Norte, China ou Portugal.
Carmona digita as informações em seu computador em Madri e cinco segundos depois surge com a resposta: “Nahuel Bustos, do Talleres, da Argentina”.
Ele oferece alternativas: Rafael Santos Borré, do River Plate (ARG); Nicolas Ibañez, do San Luis (MEX); e Carlos Vinicius, do Benfica (POR).
O resultado é baseado em análises comparativas com a produção do jogador a ser substituído. Número de partidas, gols marcados, passes, características de jogo, entre outras variáveis.
Apesar de o futebol ter ficado parado em boa parte do mundo nos últimos meses e voltar aos poucos em alguns centros, o responsável pela Driblab afirma que a paralisação provocada pela pandemia de Covid-19 fez com que a procura por seus serviços aumentasse.
As empresas não informam para quais ou quantos clubes prestam serviços. A Driblab abre exceção para dizer que, no Brasil, tem contrato com o Internacional-RS.
Sem revelar os números anteriores a esse período, Carmona afirma que atualmente recebe dez consultas por semana.
Segundo ele, o banco de dados possui 120 mil atletas em 180 competições ao redor do mundo. "Até na Copinha [Copa São Paulo de juniores]", diz.
“Por causa da pandemia, os clubes são obrigados a pensar no longo prazo. É uma oportunidade para montar estratégia e planejar os próximos três anos. No futebol, os clubes estão acostumados a pensar no próximo jogo”, afirma Omar Chaudhuri, chefe de inteligência da 21st Club, com sede em Londres, que também faz levantamento estatístico de jogadores e os armazena para montar sua base de dados.
Driblab, 21 st Club e StatsBomb, outra empresa do setor, afirmam que a demanda tem crescido. Uma hipótese é a de que vários dirigentes de clubes superaram uma resistência antiga ao uso de números para contratar jogadores.
Eles acreditam que a prevalência das estatísticas no futebol cresça e se aproxime do que é feito nos esportes americanos, em que os dados são fundamentais para decidir estratégias e reforços a longo prazo. Especialmente no beisebol, onde o antigo gerente-geral do Oakland A's (e hoje um dos donos) Billy Beane criou o conceito do Moneyball.
Trata-se da análise minuciosa e inovadora de números para encontrar jogadores que estão fora do radar das demais equipes e que têm potencial para crescer. O propósito era fazer com que o A's fossem competitivos mesmo com um orçamento menor que o dos rivais.
A observação ao vivo feita por olheiros e uma conversa pessoalmente para conhecer o atleta continuam sendo fundamentais porque oferecem componentes que não existem nas estatísticas. Mas num cenário em que isso ficou mais difícil, os números podem trazer informações valiosas.
A Driblab afirma que, apenas no período da temporada passada do futebol europeu (2018-2019), os times para os quais presta serviços na Espanha, Inglaterra, Itália e nos Estados Unidos movimentaram 568 milhões de euros (cerca de R$ 3,2 bilhões).
Agora, a expectativa é de uma queda abrupta nesse mercado. Com menos dinheiro e possibilidades de fazer contratações, as chances de errar também precisam ser menores. Ainda mais para clubes que não são ricos como os gigantes da Europa.
O serviço é feito sob medida para cada cliente de acordo com as necessidades: posições, características dos possíveis reforços e estilo de jogo que será usado.
“Os clubes passaram a ser mais proativos. Eles têm uma ideia do que fazemos, mas sempre explicamos nosso trabalho. Criamos modelos customizados para os times e para cada um montamos um algoritmo único. Eles nos dizem as necessidades e vamos atrás para atendê-las”, afirma Carmona.
Quando era estudante na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, ele elaborou um modelo matemático para mostrar que vários jogadores da NBA tinham salários maiores do que a sua produção em quadra. Acabou contratado pela liga, onde trabalhou por oito meses no departamento de marketing e comunicação.
Os números precisam ser interpretados. O 21st Club, por exemplo, junta ligas de níveis semelhantes e compara os dados dos jogadores que nelas atuam. A partir daí, cria um algoritmo para descobrir como eles se sairiam em campeonatos nacionais considerados melhores. Chaudhuri diz que não pode explicar em detalhes, porque esse seria o pulo do gato da companhia.
“Identificamos os jogadores que podem fazer a transferência, e a meta é ter isso dentro de um contexto que ajude o nosso cliente. Digamos que foi identificado um meia no futebol dinamarquês e ele dá muitos passes. Isso é bom? É ruim? Vai ter o mesmo desempenho em outra liga? Essa é a chave”, afirma.
Às vezes, é preciso ser flexível. O teste de buscar um reforço semelhante a um atleta que está de saída não funciona sempre. O fundador da Driblab lembra de ter feito o exercício no computador para encontrar um substituto para David Silva, meia espanhol do Manchester City (ESP). O sistema encontrou apenas um nome com características parecidas: o português Bernardo Silva, da mesma equipe.
“É um jogador de característica muito particular. Esse é difícil de substituir”, conclui Carmona.
Fonte: Folha de São Paulo
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