FLAMENGO 3 X 0 LIVERPOOL/ING
Estádio: Nacional (Tóquio)
Data: 13/12/1981
Arbitro: RúbioVazques (México).
Público: 62.000
Gols: Nunes 13', Adílio 34' e Nunes 41'.
FLAMENGO: Raul; Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. Técnico: Paulo César Carpegiani.
LIVERPOOL: Grobbelaar; Neal, R. Kennedy, Lawnson e Thompson; Hansen, Dalglish e Lee; Johnstone, Souness e McDermott (Johnson). Técnico: Paisley.
O baile da seleção rubro-negra”
Os esnobes ingleses pensavam que já eram campeões do mundo. Eles eram os maiores copeiros da Europa naquele final de anos 70 e início de anos 80. Tinham acabado de levantar mais uma Liga dos Campeões da UEFA – a terceira em apenas cinco anos – sobre o todo poderoso Real Madrid-ESP. Mas eles não sabiam o que lhes esperava do outro lado. Era um time brasileiro que podia muito bem vestir uma camisa verde e amarela. Mas usava o rubro-negro. No entanto, naquele dia 13 de dezembro de 1981, usou o branco, para refletir melhor os sublimes raios de sol que temperavam o frio de Tóquio. Frio que os brasileiros do Clube de Regatas do Flamengo nem sentiram. Estavam quentes. Ávidos. Sedentos pela vitória e para fazer história. Nunca os japoneses viram algo parecido com aquilo. Um. Dois. Três gols. Em apenas 45 minutos. Futebol arte. Toque de bola preciso. Time fechado em bloco que não oferecia chance alguma para um rival sem criatividade e burocrático. Dribles desconcertantes. E um Zico imortal. A primeira conquista mundial do Flamengo foi digna de filme. Muitos dizem que aquela foi a maior partida da história do clube em termos técnicos e, claro, históricos. Não é de se duvidar que sim. A autoridade imposta em campo foi do início ao fim. Uma superioridade tão grande que Raul, Leandro, Marinho, Mozer, Júnior, Andrade, Adílio, Tita, Zico, Lico e Nunes tiveram a audácia de apenas tocar a bola no segundo tempo e esperar o tempo passar. Eles não queriam humilhar ainda mais aqueles ingleses pernas de pau. Sim, eles eram pernas de pau se compararmos um a um com os craques do Flamengo em campo naquele dia. Dava até dó. Uma seleção versus um simples time. Deu no que deu. E o Brasil voltava a ter um time campeão do mundo pela primeira vez desde o Santos de Pelé. É hora de relembrar.
Pré-jogo
Final do Mundial Interclubes de 1981 teria dois times com objetivos opostos. Do lado inglês, era apenas mais uma partida para mostrar a “eficiência” do futebol inglês e sua superioridade histórica perante os rivais. O Liverpool colecionava títulos e mais títulos naquele que era o maior momento de sua gloriosa história. Neal, Kennedy, Dalglish, McDermott e Souness comandavam a equipe tricampeã europeia e que venceu o Real Madrid na decisão da Liga por 1 a 0, gol de Kennedy. Os Reds haviam conquistado seis troféus continentais entre 1973 e 1981 e pareciam não ter rivais. Já o Flamengo queria confirmar sua ótima fase e a fama de melhor time do Brasil e da América. Fazia apenas 20 dias que a equipe havia conquistado a Copa Libertadores em cima dos chilenos do Cobreloa depois de três jogos disputados e cheios de catimba. Porém, os rivais ainda azucrinavam os flamenguistas dizendo que “o Flamengo é time de Maracanã e só mostra superioridade jogando em casa”. Aquilo doía na alma dos craques rubro-negros. Era preciso jogar pela honra, pelo orgulho e para calar de uma vez por todas aqueles invejosos. Além de tudo isso, o título mundial seria um presente em memória a Cláudio Coutinho, técnico da equipe campeã brasileira de 1980 e responsável por montar e criar a identidade artística daquele time (Coutinho faleceu em um acidente de mergulho semanas antes do torneio no Japão). O Flamengo teria mais torcida em Tóquio, a casa do Mundial desde 1980, quando a Toyota passou a patrocinar o torneio, e jogaria completo e com a escalação que todo torcedor flamenguista sabia de cor (e sabe até hoje).
Era hora de jogar pela história.
A tarde em Tóquio era fria, mas de céu azul e um sol digno de Rio de Janeiro. O Flamengo parecia em casa diante daquele cenário e da torcida quase toda ao seu favor. Jogando de branco, o clube brasileiro queria impor seu jogo logo no início para não sofrer qualquer tipo de pressão inglesa. Mas os brasileiros apelaram. Desde o início, o Flamengo mostrou quem dava as cartas e quem realmente era bom de bola. O gramado estava queimado por causa do frio japonês, mas ainda sim era muito bom para o toque de bola refinado do time carioca. As jogadas saíam com naturalidade, sem pressa, na mais pura arte. O Liverpool não encontrava espaços diante de uma equipe muito bem armada por Paulo César Carpegiani, que sabia da qualidade de seus jogadores e conseguia montar um time compacto e flexível. Tanta qualidade resultou em gol logo aos 13 minutos. Nunes, pela esquerda, toca de calcanhar para Mozer. O zagueiro deixa com Zico no meio. O mesmo Nunes que havia tocado já partia em velocidade lá na frente. Zico viu. E fez um lançamento magistral para o “João Danado”, artilheiro das decisões. A bola foi de encontro ao atacante, o zagueiro Thompson tentou cabecear, mas furou. Nunes ajeitou e só tocou na saída do goleiro: 1 a 0. A festa começava no estádio Nacional. Com a vantagem no placar, o Flamengo tratou de esbanjar ainda mais a sua categoria. Toques rápidos pelo meio, avanço dos laterais, categoria de Júnior, dribles de Adílio, segurança absoluta de Andrade, plasticidade de Leandro, visão e desenvoltura de Zico… Era lindo ver aquele Flamengo jogar. Quer dizer, desfilar. Aos 33´, McDermott derruba Zico na entrada da área inglesa. Falta perigosa. O Galinho podia bater direto, ao seu jeito, e marcar um golaço característico, ou mesmo cruzar para Nunes, Lico ou Tita. Zico bateu direto, o goleiro Grobbelaar não segurou, Lico tentou, mas foi Adílio quem colocou a bola pra dentro: 2 a 0. Na comemoração, o “Neguinho Bom de Bola”, apelido criado pelo radialista Waldyr Amaral, mandou beijos para sua esposa na arquibancada – o craque estava em lua de mel (!). Mas quem estava de lua de mel era a torcida rubro-negra, que se encantava cada vez mais com seu time.
Aos 41 minutos, Adílio começa uma jogada pela direita e toca para Zico no meio. O craque da camisa 10, que já havia participado dos dois primeiros gols, deixa Nunes sozinho com um passe milimétrico na direita no exato momento em que o camisa 9 parte em disparada. A zaga inglesa, em linha, deixou Nunes livre, que correu, correu e chutou no canto direito do goleiro Grobbelaar: 3 a 0. Não havia o que dizer. Nem o que temer. O Flamengo já era campeão mundial de futebol. Com três gols de diferença, Zico inspirado e um futebol virtuoso, os ingleses jamais teriam forças para reverter aquele placar. Afinal, eles ainda não haviam adquirido a “aura sobrenatural”. Ela só surgiu em 2005, em Istambul…
Os ingleses não tinham espaço para fazer nada. E o Flamengo tinha futebol para fazer tudo.
Segundo tempo – Dê-me a taça, por favor
Já campeão do mundo, o Flamengo gastou a bola na segunda etapa. Os brasileiros estavam mais do que satisfeitos com a goleada construída na etapa inicial e não queriam humilhar os ingleses, que nem sequer foram mais incisivos no ataque. Eles ficaram postados na defesa, sem criatividade alguma e burocráticos. A torcida só teve o trabalho de curtir o show e os toques de Júnior, Leandro, Adílio e Zico, as disparadas de Lico e Tita, a ajuda de Nunes na marcação, a precisão e sutileza de Andrade, Mozer e Marinho, estes dois perfeitos na cobertura, nas jogadas aéreas e nos desarmes. Dava pena do goleiro Raul, que só ficava vendo aquele monte de jogadores à sua frente e nem sequer podia se aquecer do frio fazendo defesas. A zaga não deixava! Mas não tinha problema algum. Quando o juiz mexicano apitou o final do jogo, os torcedores podiam, enfim, soltar o grito de campeão.
Carnaval em Tóquio! Flamengo campeão mundial de futebol. Os invejosos tinham suas bocas caladas definitivamente. Quem é que só ganhava no Maracanã? Quem é que só jogava bonito em casa? Acho que era preciso rever conceitos… Zico, o nome e craque do jogo, ganhou um carro zero da Toyota como prêmio. Mais do que merecido, afinal, o Galinho jogou demais naquele jogo e causou pânico no zagueiro Thompson, seu marcador, e no goleiro Grobbelaar, que teria dito durante a partida: “Joga o Zico para longe, Thompson, joga o Zico para longe, em nome de Deus!”. Thompson não conseguiu, e ainda disse que Zico era “um jogador diabólico”. E era mesmo. O capitão rubro-negro ergueu a taça bem alto, ao encontro do lindo sol de Tóquio, no momento mais belo da história do Flamengo. Ali, naquela tarde japonesa e madrugada brasileira, o Flamengo se consagrava para sempre como um dos maiores times da história jogando o fino e o belo, transformando futebol em espetáculo.
Pós-jogo – o que aconteceu depois?
Flamengo: campeão do mundo, o Flamengo foi recebido com uma festa enorme no Brasil e manteve sua sina vencedora. O time conquistou mais dois Brasileiros em 1982 e 1983, mas perderia Zico para o futebol europeu tempo depois. Em 1987, a equipe voltou a brilhar com uma nova safra de jogadores feitos em casa, como Leonardo e Jorginho, e faturou a conturbada Copa União. No entanto, as conquistas internacionais minguaram na Gávea e o time nunca mais voltou a brilhar na Libertadores. Houve outras glórias, como os Brasileiros de 1992 e 2009, a Copa do Brasil de 1990 e 2006 e vários torneios estaduais, mas nenhum com o talento e genialidade do esquadrão campeão mundial, eleito por jornalistas, torcedores e amantes do futebol como o melhor time brasileiro depois do Santos de Pelé, a frente do São Paulo de Telê, Palmeiras de Ademir da Guia, Internacional de Falcão e Figueroa, Cruzeiro de Tostão e Botafogo de Garrincha. Uma façanha para poucos. Apenas para imortais.
Liverpool: a derrota na final do Mundial de 1981 foi a primeira das três que o Liverpool “coleciona” em seu currículo. Em 1984, a equipe perdeu para os argentinos do Independiente por 1 a 0 e foi bi-vice. Em 2005, perdeu para o São Paulo-BRA também por 1 a 0 e se consagrou tri-vice campeão mundial. No entanto, a equipe conseguiu, ainda que tarde, uma aura sobrenatural ao empatar um jogo perdido por 3 a 0 para o Milan na final da Liga dos Campeões da UEFA de 2005, levar a partida para a prorrogação e vencer nos pênaltis, como você pode ler clicando aqui. A façanha deu aos ingleses o pentacampeonato europeu e serviu como uma mostra do que Neal, Thompson e Dalglish deveriam ter feito em 1981. Mas, como não existe máquina do tempo…
O mundo aos pés do Flamengo
O Liverpool chegou a Tóquio carregando a fama e o respeito alcançados com pelo menos oito títulos importantes obtidos desde 1976, quando o técnico Bob Paisley deu forma definitiva ao time: um da Copa da Uefa (1976), três da Europa (1977, 1978 e 1981) e quatro da Inglaterra (1976, 1977, 1979 e 1980). Os ingleses também desembarcaram credenciados por eliminarem o Bayern de Munique nas semifinais e pela vitória de 1 a 0 sobre o Real Madrid, na decisão continental daquele ano.
Assim, olharam para os jogadores do Flamengo com indisfarçável ar de superioridade, certos de que não teriam dificuldades para derrotá-los. No intervalo, porém, o esquadrão rubro-negro praticamente liquidara o adversário, não só pelo placar de 3 a 0 que estabeleceu - Nunes aos 13 minutos, Adílio aos 36 e Nunes aos 42 - mas sobretudo pelo futebol de dribles e de toque de bola, absolutamente irresistível, que encantava a platéia.
Fim de jogo, resultado mantido, Phil Thompson, o capitão do Liverpool, ainda atordoado com as peripécias de Zico, o melhor em campo, e já distante do pedestal, admitiu que "em tempo algum" vira alguém "tão diabólico". Pailsey, conformado, também rendeu-se ao óbvio. "A superioridade deles foi incontestável". Um carnaval raras vezes repetido varou a madrugada carioca. O Flamengo tinha, enfim, o melhor time de futebol do planeta.
Fonte: http://flamengo-noticia.blogspot.com/
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