O engenheiro Luiz Rodolfo Landim Machado construiu sua reputação profissional na indústria de petróleo e gás. Trabalhou mais de 20 anos na Petrobras, presidiu a BR Distribuidora e esteve à frente da abertura de capital da OGX, a ex-petrolífera de Eike Batista, que ele deixou antes da derrocada. Hoje, preside a Ouro Preto Óleo e Gás, é um dos gestores da Mare Investimentos e comanda o conselho da Constellation Oil Services.
Se esses negócios dão visibilidade a Landim no mundo dos negócios, a sua outra paixão pode ajudar a torná-lo popular: o Clube de Regatas do Flamengo, que o elegeu presidente em 19 de dezembro. O novo desafio é mais charmoso, mas também espinhoso: no maior clube de futebol do país, o sucesso não se mede apenas pelos resultados financeiros, mas principalmente pela conquista de títulos relevantes, algo que o Flamengo não consegue desde 2013.
Na quinta-feira, dois dias antes do jogo contra o Peru, o técnico Tite passava instruções aos jogadores da seleção brasileira no centro de treinamento do São Paulo Futebol Clube, na Barra Funda. À beira do gramado, um homem de cabelos grisalhos caminhava de um lado para o outro com o celular no ouvido. De uniforme de treino da seleção, o engenheiro Luiz Rodolfo Landim Machado, 62 anos, veste o cargo de dirigente de futebol com a mesma obstinação pelo trabalho que o levou a fazer fortuna no setor de petróleo nas últimas décadas. Presidente do Flamengo desde o início deste ano, Landim chefia a delegação brasileira na Copa América. Ao mesmo tempo, comanda sua petroleira, a Ouro Preto Óleo e Gás, numa disputa bilionária por novos ativos.
Formado em engenharia civil na UFRJ, Landim ganhou notoriedade no mundo empresarial por sua trajetória como gestor. Passou mais de 20 anos na Petrobras, presidiu a BR Distribuidora e esteve à frente da abertura de capital da OGX, em 2010, operação que ajudou a transformar, então, Eike Batista no homem mais rico do Brasil.
Agora, Landim tem um novo e ambicioso projeto. A Ouro Preto, da qual é cofundador e controlador, integra um consórcio candidato à compra dos polos Pampo e Enchova, que englobam dez campos maduros da Petrobras, na Bacia de Campos, avaliados em cerca de US$ 1 bilhão. Essas áreas produziram 38 mil barris diários de óleo equivalente (BOE/dia) de petróleo e gás natural em 2017. Se vitoriosa, a Ouro Preto, que produz apenas 500 BOE/dia, dará seu maior salto operacional desde que comprou os ativos da americana El Paso no país, e estreou como produtora de petróleo em 2014.
"Estamos de fato participando da disputa, estamos fazendo o bid [concorrência]. Mas a decisão fica com a Petrobras", disse Landim em entrevista ao Valor por telefone, durante o treino de quinta-feira da seleção.
"A Ouro Preto está com uma equipe que eu treinei e super bem preparada no período que estou na seleção. Você precisa saber escolher as pessoas certas, nos lugares certos para tocar. Mas, além disso, eu passo o dia inteiro no celular para resolver as coisas", diz o empresário carioca, que acumula ainda a gestão da Mare Investimentos e a presidência da Constellation Oil Services, antiga Queiroz Galvão Óleo e Gás.
Em paralelo às negociações pelos campos em mar da Petrobras, Landim tem outros desafios em terra firme. Presidente do Clube de Regatas do Flamengo desde 1º de janeiro, quando efetivamente "pegou a caneta" do clube, o empresário quer que seu time do coração volte a acumular vitórias. Clubes de futebol, como empresas, costumam ter cultura própria. No futebol, contudo, existe um fator imponderável: a paixão da torcida. No caso rubro-negro, são mais de 35 milhões de torcedores, a maior torcida do país, segundo pesquisa da Datafolha de janeiro de 2018. Neste campo, o sucesso de Landim dependerá do desempenho dentro das quatro linhas do gramado.
"Quando você faz o planejamento estratégico de uma empresa privada, o que você coloca são objetivos a serem alcançados, e formas de serem alcançados. Tem muito mais razão do que paixão. A grande diferença é essa", afirma Landim.
"A torcida é o fator externo, que é o grande patrimônio do clube também. O clube é grande porque tem torcida, seu principal ativo. É o torcedor que paga para assistir à transmissão do jogo, comprar a camisa, movimenta recursos para dentro do clube. É o nosso público alvo, nosso cliente. Mas é um cliente com paciência mais curta e cobrança bem diferente do de uma empresa."
O empresário tem a seu favor o hábito de trabalhar sob pressão. Ele cultiva há 40 anos a rotina de acordar às dez para seis da manhã e dormir à uma e meia da madrugada. Um antigo colega de trabalho, que o chefiou e foi chefiado por ele, o define como "workaholic". Esse colega lembra da época em que Landim estava no comando do sistema de produção da Petrobras na Bacia de Campos, nos anos 1990. Landim passou a morar em Macaé, no norte do Estado do Rio, a 190 km da capital, onde a família continuava morando.
"Ele sempre teve um amor muito grande pelo filho [Flavio, nascido em 1986], que morava no Rio. Sempre arrumava um jeito de ficar perto do filho. Mesmo assim, às sextas-feiras, quando todos queriam pegar a estrada para o Rio, ele segurava a equipe no escritório até nove, dez da noite", diz o ex-colega, que pediu para não ser identificado.
Além de conquistas, a carreira do executivo produziu inimizades. A mais pública delas foi com Eike Batista. Quando era executivo do grupo EBX, Landim recebeu do empresário um bilhete com a promessa de 1% de participação na holding. "Gostaria de convidá-lo a fazer parte da minha holding como cavaleiro da távola do sol eterno", dizia o bilhete. A promessa não foi cumprida, mas Landim guardou o papel. Após deixar o grupo, o que aconteceu antes da derrocada das empresas "X", o engenheiro entrou com um processo contra o Eike pedindo indenização, em 2010. Segundo o escritório Sergio Bermudes, que representou Eike, a ação teria chegado ao fim no mês passado, com o trânsito em julgado após decisão do Superior Tribunal de Justiça - e Landim perdeu em todas as instâncias.
"Ele, de fato, ganhou. Não discuto decisão da Justiça", disse Landim.
A faceta de dirigente esportivo colhe elogios e algumas divergências. Em dezembro de 2012, o administrador Eduardo Bandeira de Mello foi eleito presidente do Flamengo numa chapa que contava com o apoio do engenheiro. Trabalharam juntos na recuperação do clube por três anos, com Landim na vice-presidência de Planejamento e Orçamento. Em 2015, Bandeira decidiu se candidatar à reeleição e provocou um racha político no clube. Landim optou por cerrar as fileiras da chapa de oposição, que acabou derrotada. Três anos depois, em 2018, o empresário lançou a própria candidatura à presidência do Flamengo. Foi eleito com votos de 1.879 sócios, 61% do total registrado na sede do clube, na Gávea, zona sul carioca.
O Flamengo de seis anos atrás era totalmente diferente do clube que Landim herdou em dezembro do ano passado. Ao fim de 2012, o patrimônio líquido do clube era negativo em R$ 423,8 milhões. Só em 2012, o déficit havia sido de R$ 62,4 milhões. Ao fim de 2018, último ano da gestão Bandeira, o superávit era de R$ 45,9 milhões. Essa reviravolta foi realizada por um grupo que chegou ao poder com Bandeira e incluía nomes como Luiz Eduardo Baptista (então presidente da Sky), Flávio Godinho (ex-EBX), Claudio Pracownik (Brasil Plural), Alexandre Póvoa (Canepa Asset) e Wallim Vasconcellos (ex-BNDES), entre outros.
Se a pressão em cima de Bandeira era, fundamentalmente, em busca do saneamento financeiro, sobre Landim é mais intangível. Com dinheiro em caixa e elenco estrelado, a cobrança é por títulos importantes dentro das quatro linhas. Landim diz que o Flamengo precisava internamente de cobrança e atitude - um dos motes de sua campanha para a presidência do clube.
"Todo o processo que estamos implementando passa por um nível de cobrança diferenciado. Ganhamos os campeonatos que participamos neste ano. E falei que cobrança existiria em tudo que disputarmos. Esse tipo de postura tem que partir de cima, de quem administra", diz Landim.
Ex-vice presidente de finanças do Flamengo, o advogado Claudio Pracownik concorda que Landim tem um perfil de gestão diferente de seu antecessor no cargo.
"Essa gestão atual é claramente mais agressiva. Pelo próprio perfil do Landim, pela campanha política que fez em cima da necessidade de conquista de títulos. Talvez também porque o clube tenha uma condição financeira melhor de investir. Você pode investir mais, contando que vai ganhar tudo, com elevadas premiações. O risco financeiro neste caso é o título não vir", disse o advogado, atualmente morando em São Paulo e mais afastado do dia a dia do clube carioca.
Essas características de Landim ajudam a explicar o movimento ousado do clube no mercado de transferência de atletas no início de ano. Após uma conturbada negociação com o Cruzeiro, o Flamengo contratou o meia uruguaio De Arrascaeta por EUR 13 milhões (cerca de R$ 55 milhões), a maior contratação da história rubro-negra. Nas semanas anteriores, havia anunciado a compra do zagueiro Rodrigo Caio (R$ 22 milhões) e do atacante Bruno Henrique (R$ 23 milhões). A contratação mais recente foi a do técnico português Jorge Jesus. A paciência da torcida com a falta de títulos, porém, é inversamente proporcional ao aumento do investimento do clube.
Vice-presidente de Finanças do Flamengo, Wallim Vasconcellos, que caminhou ao lado de Landim na vida política do clube nos últimos anos, reconhece que o sucesso no futebol, porém, depende também do imponderável.
"Na empresa eu consigo minimamente ter um planejamento e prever o que vai acontecer no mercado, com os produtos, vejo quais são as tendências de mercado e eu posso ir me adaptando a isso. Você tem muitas ferramentas para isso. Decido se vou vender mais barato para ter 'market share' ou se vou dar prioridade às margens", afirma.
"No futebol, o sucesso está muito ligado às vitórias e tem o imponderável. A bola pode bater na trave, pode o goleiro tomar um frango. Diferentemente da empresa, tudo pode mudar numa quarta ou num domingo".
Landim diz que não se arrepende das suas ações no clube nesses quase seis meses no cargo, mas lamenta a fatalidade ocorrida no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo no Rio de Janeiro, quando estava há pouco mais de 30 dias no cargo. Um incêndio matou dez jovens das categorias de base do clube e feriu outros três. Na semana passada, o antecessor no cargo, Eduardo Bandeira de Mello, e outras sete pessoas foram indiciadas pela Polícia Civil por homicídio doloso (ver Maior tragédia da história do Flamengo, incêndio matou dez jovens).
"Foi o momento mais triste da carreira", diz o empresário, que não está entre os indiciados.
O sócio da Sports Value Marketing Esportivo, Amir Somoggi, observa que poucos executivos ainda aventuram-se a administrar clubes de futebol no Brasil. Para ele, existem bons motivos para isso: a remuneração inexistente ou pouco atraente, o temor de manchar o currículo, ambiente pouco profissionalizado e a pressão de torcedores.
"O futebol em geral ainda é visto no mercado empresarial como uma caixa-preta, algo sem transparência, sem gestão. O problema não é a situação financeira ruim, é o risco de credibilidade", diz Somoggi.
"Os que se aventuraram são torcedores do clube, sem dúvidas. Foram [para a administração] por amor."
Fonte: Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário