domingo, 1 de outubro de 2017

VP do Flamengo chama jornalismo do Extra de desgraça: "Vale mentir"



Meu primeiro estágio foi na Rádio Globo. Era estudante de Comunicação da UFRJ e, como as coisas lá em casa não estavam fáceis, precisava de uma esperança de emprego o quanto antes.


Não tinha pai, minha mãe batalhava contra a viuvez precoce e eu não tinha um puto para sustentar as necessidades do primeiro namoro.

Ia e voltava a pé para a faculdade, batia um pão francês puro antes de encarar professores que, entre uma greve e outra, convidavam alunos para enrolar um baseado e, xerox, só no fiado. Mas, pelo menos, não pagava a mensalidade.

Um dia, gastei umas dez fichas telefônicas (lembram delas?) para ligar para o José Carlos Araújo, conhecido locutor esportivo. Meu pai dizia que o conhecia e imaginei que ele poderia me ajudar. Driblei umas secretárias até me colocarem em contato com o Garotinho — como José Carlos é conhecido até hoje. Abri o jogo. Disse que era louco por futebol, daqueles que se dispunham a levar borrachada da PM pelo calote no 432 a caminho do Maracanã. Ele, simpático, perguntou se eu estaria disposto a trabalhar de graça. Estava. E mandou eu aparecer na Rua do Russel no dia seguinte. Apareci.

Depois de um tempo, eu já recebia salário. Fiquei emocionado quando peguei meu primeiro talão de cheque do antigo Banco Real.

Passei por várias áreas da romântica Rádio Globo. Descobri que o “Centro Eletrônico de Informações” era um senhor de terno puído com uma agenda velha e um telefone daqueles de discar, vi cadáver baleado em porta-malas no subúrbio com o Alberto Brandão (lenda do jornalismo policial) e aprendi muito com os setoristas de lá. Descobri como as coisas aconteciam (e não deveriam acontecer) em vários clubes graças a Jorge Eduardo, Elso Venâncio, Gustavo Adolfo e outros. O que todos eles tinham em comum? A essência da profissão jornalística: apuravam.

Naquela época, jornalistas não se preocupavam apenas com a urgência da informação, mas também com a qualidade dela. Lembro que dar uma notícia errada era uma vergonha muito maior que informar depois que a concorrência. Havia até uma relação de confiança entre a fonte e o repórter ainda que ela fosse estressada pelo árduo trabalho da verificação. E pude testemunhar isso quando cobri o rubro-negro da Gávea. Certa vez, ouvi do famoso advogado e então dirigente Michel Assef uma tirada que ficou para sempre na minha cabeça. Perguntei como era a relação com a imprensa e ele disse ser uma eterna lua de mel. Quando indaguei se era tão boa assim, arrematou: “Não. É uma foda todo dia.”

Rimos.

Hoje, o jogo virou. O dirigente sou eu e, como Vice-Presidente de Comunicação do Flamengo, lido com jornalistas esportivos com frequência. Conheci gente muito boa, séria e responsável, como Carlos Gil, Arnaldo Ribeiro, Amanda Kestelman, Gabriela Moreira, Eric Faria, Paulo Vinicius Coelho e outros tantos cujos nomes encheriam essa página.

Mas há uns do “Extra” também.

Se, por um lado, o jornalismo evoluiu abandonando as máquinas de datilografar e os cigarros em ambiente fechado, por outro virou uma desgraça. É o jornalismo esportivo “Nutella”, da geração que, só por ter uma rede social, acha que se formou em “Nelson Rodrigues” na faculdade da vida. Ou pior: os pseudoapuradores que ordenham pauta em grupinhos de WhatsApp e tratam dedução como se fosse verdade. Outro dia mesmo, um deles viu o experiente zagueiro Juan correndo menos que os demais no treino e cravou: o jogador estava fazendo corpo mole.

Vocês perguntaram para o Juan, para o preparador físico ou para o médico por que ele corria menos? Nem o tal repórter. Ele estava errado, claro.

A chefia é ainda pior. Precisam apresentar relatório de cliques no portal ou salvar o impresso da morte e, aí, vale tudo. Pode inventar, mentir, fazer piadoca, meme e até bullying no editorial desde que dê o que falar. Os editores do jornalismo esportivo “Nutella” querem te tratar como “Pânico na TV” mas serem tratados como Caco Barcellos. E ai de quem se oponha! Além de xingar muito no Twitter (eles podem), inventam uma desculpa esfarrapada ou apegam-se ao corporativismo com a mesma força que se agarram no futuro do pretérito (“teria”, “seria”...). Ambos servindo como “seguro-incompetência” para aquele tipo de “profissional” que trata empresa particular como se fosse pública e quando arruma uma boquinha na pública faz lá o que faz na privada. A outra.

Já da chefia da chefia eu não posso falar. Não apurei. Ainda.

Fosse hoje, a confidência informal de Assef seria capa do jornal de amanhã. Com deboche, claro.

A lua de mel continua, meu caro Michel. Mas, hoje, eles querem gozar sozinhos.

Fonte: Antonio Tabet

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