A Odebrecht perdeu dinheiro com o estádio do Maracanã desde o início da concessão, em 2013, e hoje quer vender o negócio. Existem dois favoritos para levar o estádio.
Um deles é o consórcio da francesa Lagardére e a brasileira BWA – ambas formam a Luarenas e administram o Castelão, em Fortaleza, e o Independência, em Belo Horizonte. O outro consórcio favorito é o CSM. Ele tem aliança com o Flamengo e acordos para formar um grupo com a holandesa Amsterdam Arenas e a francesa GL Events. ÉPOCA entrevistou executivos de ambos os lados.
O plano inicial de Carlos Eduardo Caruso Ferreira, o Cadu, sócio e CEO da CSM, era participar de uma nova licitação que, ele almejava, seria realizada pelo governo do Rio de Janeiro. Com novas regras. Entre elas a possibilidade de o Flamengo, parceiro, participar da gestão, algo proibido na concessão atual. Como os ventos políticos sopraram para a venda da concessão por parte da Odebrecht, a CSM se juntou a duas outras empresas, GL Events e Amsterdam Arenas, e se credenciou a comprar a concessão da empreiteira. Cadu afirma, na entrevista, que o grupo atende a todos os requisitos que o governo fluminense exigiu na licitação original – inclusive o financeiro, de as empresas terem um capital de R$ 78 milhões. Mas o trunfo da CSM, mesmo, são os pré-acordos com Flamengo e Fluminense, ambos parceiros da companhia em outras áreas. “Criamos um modelo em que os clubes estarão satisfeitos”, diz o empresário.
ÉPOCA: Havia a possibilidade de uma nova licitação com novas regras para o Maracanã, mas a possibilidade hoje tratada como mais provável é a de transferência da concessão por parte da Odebrecht. A CSM decidiu apresentar uma proposta?
Cadu Ferreira: Sim. Fizemos uma proposta. Nossa visão é a mesma do Flamengo. Todos gostaríamos que tivesse uma nova licitação porque você começa o processo do zero, mas, uma vez que foi definido pelo governo que o melhor processo é a venda, nós fizemos a proposta. Só para deixar claro, não estamos falando da compra da concessão, mas a empresa que fez a concessão, o Complexo Maracanã S.A.
ÉPOCA: A compra envolve valores? Hoje a Odebrecht pede dinheiro?
Cadu Ferreira: Sim, tem um valor a ser pago para a Odebrecht.
ÉPOCA: Os senhores estão com a GL Events e a Amsterdam Arenas? Quais os papéis delas?
Cadu Ferreira: As duas empresas estão fechadas com a gente num processo para comprar essa empresa. Eu não preciso tecnicamente formar um consórcio. Nós compramos juntos cada um com uma participação. O que tem de ficar claro é que nós, a GL e a Amsterdam Arenas, fizemos uma proposta de compra com condições vinculantes que precisam ser cumpridas. Por exemplo: esse processo depende de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão que já vinha sendo discutido com a Odebrecht. A gente tem de entender quais são as condições finais do contrato a ser reequilibrado. Também queremos um processo de due diligence dessa empresa. Precisamos entender profundamente que tipo de passivo pode aparecer. Como em qualquer processo de compra de empresa você faz a proposta, o due diligence precisa ser bem-sucedido, e dependendo do que sair dele a proposta pode morrer ou pode ser rediscutida em termos de valor. É nesse passo que a gente está. Se todas as etapas forem cumpridas, vamos finalizar esse processo de compra.
ÉPOCA: A AEG, que tem 5% do Complexo Maracanã S.A. atual, pode permanecer no negócio?
Cadu Ferreira: Essa possibilidade foi aventada. Ela pode permanecer no complexo como acionista. Ela nos disse que, se a gente vier a ser bem-sucedido, ela poderia ter interesse em ficar.
ÉPOCA: O reequilíbrio foi negociado pela Odebrecht por muito tempo porque eles iam demolir o parque aquático Júlio Delamare e o estádio de atletismo Célio de Barros, que dariam lugar a empreendimentos como shopping e estacionamentos. Como os senhores lidam com isso?
Cadu Ferreira: O resultado do estudo que foi feito é limitar o complexo para Maracanã e Maracanãzinho. É o que está sendo discutido neste momento.
ÉPOCA: Só com Maracanã e Maracanãzinho é um complexo viável?
Cadu Ferreira: Ele é viável desde que você tenha os clubes de futebol num acordo harmonizado, ou seja, que a gente tenha uma situação em que os clubes estão felizes em jogar a maior parte do tempo no Maracanã. Isso é muito importante porque a gente tem de lembrar que o Maracanã é um estádio de futebol. O core business do Maracanã é o futebol. Mesmo que boa parte da receita do negócio não venha do futebol, e não tem de vir mesmo, se você tiver situação de conflito ou instabilidade com os clubes, todo o entorno sofre. Você não consegue fechar contratos de patrocínios em que não se tem visibilidade clara de que tipo de futebol vai ter ali. Ou não consegue sequer chegar ao potencial. Você fica abaixo dele. Você não consegue fazer vendas de camarotes em contratos de longo prazo enquanto um clube diga que talvez jogue ali os próximos jogos, mas talvez não. Você precisa pacificar a relação com os clubes de futebol. Se você não tem isso, nenhum estádio que tem isso pacificado consegue viabilizar o resultado econômico. Para nós, esse é o ponto mais crítico, o primeiro que fomos resolver quando apareceu a possibilidade de avaliar a compra do Maracanã. A gente tem condições de criar um modelo em que os clubes estarão satisfeitos. Primeiro chegamos a essa solução e só depois fomos fazer a proposta de compra do ativo.
ÉPOCA: Então os senhores já conversaram com os clubes. Com o Flamengo a parceria dos senhores é pública. Com o Fluminense há um contrato deles com a Odebrecht. Como fica o Fluminense?
Cadu Ferreira: Nossa relação é ótima, o Fluminense já tem um contrato que no limite será cumprido porque é um contrato com o complexo, com a empresa. Mas existe uma situação de muito boa vontade do clube de discutir melhorias nesse contrato para ambas as partes. É uma situação que a gente já discutiu e tem relativamente bem negociada. Estamos tranquilos. Obviamente que agora há um novo presidente [do Fluminense, Pedro Abad], a gente precisa sentar com ele para conversar, mas já temos um pré-acordo com o Fluminense para melhorar o contrato atual.
ÉPOCA: Flamengo e Fluminense falam em construir estádios próprios. Os senhores consideram essa possibilidade no plano de negócios para os próximos 32 anos do Maracanã?
Cadu Ferreira: Eu não posso falar em nome dos clubes sobre os planos estratégicos deles, mas entendo que se a gente conseguir finalizar a compra do consórcio da maneira como a gente propôs, não haverá mais necessidade de o Flamengo procurar ou construir outro estádio. Essa questão é bastante simples. Uma vez que o Flamengo está com situação equacionada no Maracanã, ele não precisa de outro lugar para jogar. Mas, de novo, é com os clubes. Eu nem tenho autonomia para falar das decisões do clube.
ÉPOCA: Pergunto pelo lado dos senhores mesmo. Porque se um clube sai, quebra o negócio.
Cadu Ferreira: Mas a gente só vai adiante numa proposta se ela estiver amarrada com os clubes de futebol. Eu só faço um processo de compra de uma concessão por 32 anos se tiver contratos espelhados com Flamengo e Fluminense por 32 anos.
ÉPOCA: Hoje o Fluminense tem uma arquibancada para ele, tem as receitas dela e não paga as despesas. O Flamengo tem um contrato diferente no qual divide receitas e despesas de tudo. Os senhores preveem alguma outra fórmula muito diferente dessas para o Maracanã?
Cadu Ferreira: O modelo que temos discutido com o Flamengo é o clube ser dono das receitas ligadas ao jogo de futebol. Se o clube é dono do conteúdo, ele precisa ter as receitas do futebol. Bilheterias, tudo o que acontece dentro do jogo que gera receita. Isso até hoje não aconteceu e que no nosso caso vai acontecer. O clube é dono do evento dele.
ÉPOCA: E como fica o negócio do estádio? Boa parte das receitas está ligada ao jogo.
Cadu Ferreira: Nós temos receitas de patrocínios, que no nosso plano de negócios têm um valor interessante. Temos receitas ligadas ao tour do estádio, que muitas vezes as pessoas subestimam. O Maracanã é o segundo ponto mais visitado do Rio de Janeiro, e a gente pode melhorar muito o período de visitação. Durante o período em que o Maracanã esteve fechado pós-Jogos Olímpicos paravam ônibus com turistas que pediam para que alguém abrisse a porta. Tem um potencial significativo com a melhoria do conteúdo de visitação. Tem uma receita ligada a eventos, que não jogos de futebol. Não só os grandes shows, porque nem tem espaço para uma quantidade enorme. Temos calendário para quatro ou cinco megashows. Mas todo evento corporativo, festas, enfim, isso também gera uma receita interessante. E tem outras questões como a possibilidade de criar coisas no entorno do Maracanã. Obviamente, preciso entender a parte de licenças, mas dá para criar vida econômica para o estádio que transcende o jogo de futebol. Ter uma academia, um pátio gastronômico. Se tivermos uma gestão eficiente de custos, então o estádio é viável independentemente das receitas do jogo de futebol, que vão ficar com o clube de futebol. Isso é muito importante. Temos a necessidade de controle absoluto dos custos do estádio dentro de uma lógica de eficiência. A gente consegue fechar a conta com as linhas de receita que falei.
ÉPOCA: O que dá para cortar em relação a custo?
Cadu Ferreira: Não diria cortar, mas otimizar. Por exemplo, a forma de contratação de energia elétrica. Hoje existem maneiras de comprar energia de uma forma mais eficiente do que a forma que me parece estar sendo feita. Como fazer investimentos para modulação. Hoje, se você quiser ligar o ar-condicionado do estádio, você tem de ligar o ar do estádio inteiro. Você não tem condição de modular. Há coisas que vamos ter de fazer investimentos para poder gerir o estádio de forma mais inteligente, mas pelas análises que fizemos há várias áreas com potencial de melhoria. Para ser justo, se você olhar os balanços dessa empresa, ela veio melhorando todos os anos. De 2013 para 2015 houve melhoria significativa no custo. Mas a gente acredita que tem mais potencial.
ÉPOCA: No fim das contas é um estádio que ainda dá prejuízo e vai precisar de investimento para melhorar o custo. A CSM tem porte financeiro para aguentar o tranco?
Cadu Ferreira: Sim. Nosso grupo tem porte. Quando você fala que ainda dá prejuízo, na verdade deu prejuízo naquele modelo de gestão anterior. A gente acredita que esse estádio é para estar no break-even [no azul] no ano um e dando lucro a partir do ano dois. Mas vamos supor que a gente tenha um ano de prejuízo. Isso está sendo considerado e temos um grupo de empresas sólido para fazer frente a esse tipo de situação. Na Copa do Mundo, mais de 20 mil pessoas trabalharam para a gente, fizemos toda a gestão de bares dos 12 estádios da Copa, fizemos toda a gestão de hospitalidade na Copa nos 12 estádios nos 64 jogos. Agora na Olimpíada, trabalhamos para sete dos principais patrocinadores olímpicos. Não somos uma empresa pequena. Temos uma operação no Brasil de porte razoável. Claro que o Maracanã é muito grande. Esse é um negócio que pode, se for mal gerido, gerar prejuízos importantes, como aconteceu nos três primeiros anos do complexo, mas a gente entende que o modelo que montou aqui não tem por que repetir essa situação.
ÉPOCA: E se repetir?
Cadu Ferreira: Muito importante não cair da tentação de fugir da regra do jogo. A regra do jogo é muito clara. Quem pode comprar esse complexo? Qualquer empresa ou grupo de empresas que atenda aos pré-requisitos originais da licitação lá de trás. O requisito financeiro, de porte, que se exigia é que a empresa ou o grupo apresentassem capital de R$ 78 milhões. Esse ponto está atendido. Absolutamente todos os pontos nós atendemos com o nosso consórcio. Não tem nenhum ponto que a gente deixa de atender. Estamos falando de R$ 78 milhões. Nós temos. Estamos falando de comprovação de gestão de pelo menos dois anos de estádio com 20 anos. A gente tem. Só a Amsterdam Arenas entra com a gestão de um dos principais estádios da Europa, o do Ajax. A própria AEG se resolver ficar foi inclusive a empresa que credenciou o consórcio vencedor na licitação original. Quando você olha o edital... Não adianta falar em ter tamanho. Tem de olhar a regra do jogo. Nós cumprimos e temos contrato com os dois principais clubes. Nossa proposta é imbatível.
Fonte: Revista Época
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