“Acho interessante quando se fala em apequenar o clube. Não existe coisa menor do que não cumprir compromissos. Quando qualquer instituição quer regularizar sua saúde financeira e econômica, isso é grandiosidade”.
A declaração é de Paulo Autuori, diretor esportivo do Fluminense, que ofereceu a reflexão mais importante deste início de ano do futebol carioca.
A análise de Autuori remete ao dilema que mais duramente desafia muitos clubes brasileiros: de um lado, a dura realidade econômica; de outro, a pressão externa, de opinião pública e arquibancada, que nasce da condição de clube grande ostentada por mais de uma dezena de equipes do país, impondo um nível competitivo nem sempre ao alcance de instituições financeiramente debilitadas. Um conflito ainda mais nítido numa temporada em que o futebol do Rio escancara, como em nenhuma outra época de sua existência, uma disparidade de recursos disponíveis, saúde financeira e capacidade de investimento entre o Flamengo e os três outros grandes da cidade: Fluminense, Vasco e Botafogo.
O rubro-negro inicia o ano com previsão de receitas de R$ 477 milhões. É 75% a mais do que o Vasco prevê receber, e mais de duas vezes a receita orçada por tricolores e alvinegros. Sem contar os salários atrasados, rotineiros no 2017 dos rivais locais do rubro-negro. Um cenário que, a rigor, reproduz em nível local uma tendência mundial de concentração de riqueza. E a que o futebol brasileiro, 15 anos após a consolidação de seu principal campeonato no modelo de pontos corridos, não ficaria imune: uma nova estratificação de seus clubes, com mais nítida diferenciação entre os mais e menos ricos. É cruel.
E, aliás, grande parte do agravamento da situação econômica dos cariocas tem a ver com gastos recentes acima da capacidade dos clubes: o Fluminense de 2016 e o Botafogo de Seedorf são exemplos nítidos. A cobrança externa, a exigência do “time à altura das tradições”, põe à prova projetos de austeridade. O ambiente brasileiro é hostil.
Mas o nosso futebol tem particularidades que, no fim, terminam por oferecer oportunidades. É precipitado decretar que há clubes condenados ao eterno papel de forças periféricas. Entre outras coisas, porque há muitos clubes com capacidade de mobilização popular, ou porque a condição de país exportador faz o Brasil trabalhar com um segundo ou terceiro escalação de atletas. E não com os talentos que demarcam diferenças tão claramente. A tendência é ao nivelamento. No ano passado, Flamengo e Vasco, este um gigante em capacidade de mobilizar sua gente, terminaram o Brasileiro iguais em pontos.
E fundamental: no Brasil, o processo de saneamento de dívidas, que impedem os clubes mais populares e mais arrecadadores de realizarem todo os seu potencial, ou é recente, ou é incipiente. Como mostram os atrasos salariais que proliferam país afora. Além disso, futebol é uma combinação de saúde econômica e processos esportivos, de construção de times. Ponto em que ainda patinam os clubes daqui.
O Flamengo é exemplo. Hoje, é impossível cravar que, em 2018, será tão dominante entre os cariocas quanto indica sua maior saúde econômica. Recém saído de uma reestruturação administrativa, tem derrapado no planejamento do futebol. E inicia o ano envolvido na interminável dúvida sobre quem será seu treinador. No elenco, não precisa de revoluções. Mas é hesitante na necessária busca por um zagueiro veloz ou um atacante íntimo do gol.
Projetos estáveis, boa gestão, cumprimento de compromissos, recuperação de credibilidade para atrair jogadores, todos estes são passos necessários em projetos de reestruturação. Assim como a gestão de expectativas. Esta, crucial. Entender, por exemplo, que com tão poucos recursos, o sucesso recente do Botafogo será eventual, não uma obrigação que torne o clube refém de repeti-lo a qualquer preço. Novas loucuras podem fazer mais do que adiar a recuperação de um clube. Podem, no longo prazo, aprofundar as diferenças.
NOTA: O Botafogo, através de seu vice-presidente executivo, Luís Fernando Santos, argumenta que o texto foi injusto ao equiparar o alvinegro a Vasco e Fluminense no que diz respeito a atrasos salariais em 2017. De fato, o clube registrou atrasos apenas nos últimos dias de dezembro, após passar a temporada com pagamentos regulares. O objetivo, originalmente, era mostrar que sempre houve, ao longo do ano, pelo menos um dos três clubes com problemas para quitar salários. Mas, de fato, ficou a impressão de que o alvinegro tivera atrasos de forma rotineira, o que não ocorreu.
Fonte: Carlos Mansur
Nenhum comentário:
Postar um comentário